REFLEXO

Chegava à frente do espelho e falava, falava muito... Gostava de conversar com a sua imagem. Dizia que aquilo despertava seu raciocínio e permitia a ele conhecer-se melhor.

Falava a ele mesmo o que queria ouvir, e muitas vezes o que precisava ouvir.

Era como se extraísse do fundo da sua mente os conselhos mais adequados. E se tinha um lado seu que não os queria ouvir, havia outro lado que tinha a necessidade em dizer.

O tempo foi passando e a fusão foi acontecendo. A dissociação se ampliando. Cada vez mais se envolvia na conversa e acreditava ser dialógo o monólogo .

Era cruel as vezes com a imagem ali refletida. Falava duro, dava broncas, deixava que o outro lado sofresse, tentasse se desculpar ou se esquivar de alguma acusação.

A relação entre os dois era bem real. Não conseguia mais enxergar uma imagem no espelho, mas sim um outro ser à sua frente.

Com o tempo e por motivos desconhecidos, um exercício de autoconhecimento transformou-se em delírio e dissociação.

Uma Imagem fora e outra dentro do espelho. Qual era a real, e qual era o reflexo?

Uma bela noite ao deparar-se com atitudes inadequadas no seu proceder, colocou-se à frente do espelho e pôs-se a xingar. Por várias horas aplicou aquele sermão ao personagem por trás do vidro. Saiu vitorioso e ao mesmo tempo derrotado. Rindo da sua performance como inquiridor cruel e chorando pela humilhação sofrida.

Dois em um. Separação ou junção?

Depois de algum tempo, condoído pela severidade dos seus atos, culpando-se pela dureza de suas palavras voltou à frente do espelho disposto a se desculpar pelos impropérios proferidos e não viu imagem nenhuma lá dentro. Chorou e sentiu-se abandonado. O outro havia desistido.