Murmúrios, algúrios e prolegômenos
Murmúrios de cansaço pairam no ar. Eventuais brincadeiras bobas tentam distrair do estresse e da tensão de um bastardo cotidiano.
Apitos sinalizadores, o som do papel amassando, o tiquetique da digitação no teclado, o chefe e os clientes reclamando e no fundo, bem lá no fundo, aquele truculento barulho das máquinas, tão constante que nem é mais ouvido, mas que é alívio insano quando cessa, como se nos libertasse de uma angústia ou de uma corrente.
O dia se encerra e então recaimos sobre nós mesmos e sobre nossas esperanças, nossas paixões e nossos medos, mesmo sem consciência disso. Dentro do ônibus, todos aqueles que olham vagamente pela janela são iguais. Desenhamos um futuro perdido nas amarras do presente como se desenhássemos com uma caneta sem tinta numa folha de papel molhado. Perspectiva, que quando se vê ao espelho nunca o sabe se é plano, côncavo ou convexo, é tudo o que somos ao idealizar nossas necessidades (ou nossas vontades). Turvos, então, nos realizamos ou não. E então decidimos pela ilusão ou por uma possível realidade. Mas que é dura de alcançar, assim como é o sonho daqueles cujo sonho é tão somente poder sonhar.
Me esvazio de tudo, inclusive da esperança, e me solto de todas as amarras para correr numa corrida que nem sei se posso ganhar. No processo, todos ao meu redor se tornam profetas e me cantam seus algúrios, prevendo excepcionalmente todas as variáveis. É verdade, eu posso perder. Mas e se eu perder sem ter dado o meu melhor? Sem ter usado de todas as minhas forças? E se eu não conseguir por que não tentei? Me recuso a carregar em meus ombros o peso do arrependimento junto ao peso da vida, já me basta esse último.
Solto este peso aliviado ao deitar na cama resoluto, convicto e pleno. Talvez perdido, mas resoluto, convicto e pleno.
Setembro finalmente acabou.
Fecho os olhos, olho para dentro e então desperto.
Olho pela janela do ônibus novamente, agora com olhar firme.
Olhar de quem vislumbra os prolegômenos de uma nova história.