" A LATA DE LEITE"

A lata de leite.

Quando cheguei a este mundo, em uma gélida manhã de setembro minha saudosa mamãe Yvonne já contava trinta oito anos.

Enquanto pôde mamãe ofereceu- me a seiva mais pura da vida, mas um dia egoísta e tiranicamente a Natureza ceifou- lhe este direito.

Por indicação de meu tio Sergio ( in memoriam) foi me dado o leite mais fraco que se conhecia, entretanto meu frágil corpo de recém nascida prematura o rejeitou peremptoriamente.

Meus pais então acorreram ao consultório de dois célebres médicos, professores da Escola Paulista de Medicina, Drs Alberto Martins Ribeiro e Pedro Armellini.

Os compentissimos doutores acabaram por receitar o leite de soja Sobee, de matéria prima nacional, importado dos Estados Unidos da América , fabricado pela Mead Johnson, gigante empresa a quem devo minha vida.

Meu falecido pai Ramon Garcia regularmente, dirigia- se ao " show room" da indústria e adquiria ao menos duas latas do precioso e inigualável insumo...

Em uma destas vezes, papai foi surpreendido por uma figura aflita de mulher, que com olhar desesperado e fala quase gritada suplicava por uma lata deste leite,;já que em estoque restavam apenas duas unidades, ambas em poder de meu pai...

A mulher dizia que seu filho era intolerante à lactose e que tal produto se fazia imprescindível à continuidade de sua vida...

Papai olhou então para o rosto convulso da deaconhecida, e afirmou que sua filhinha sofria do mesmo mal...

Disse ele a senhora...

" Ambas são crianças fraquinhas e desprotegidas. Fique com uma lata, minha senhora... Eu sou redator da Folha de São Paulo e pedirei ao Frias que consiga através de seus contatos a lata. de leite faltante"...

Ao final despediu- se da mulher, que grata beijou- lhe a mão.

Estava naquele instante redigida para além do tempo, a mais veemente lição de solidariedade da qual tive conhecimento nesta vida...

Tal aprendizado adveio de um homem ateu, que jamais soube rezar um Pai Nosso, mas que era portador de uma generosidade quase inédita e por conseguinte inimitável.

NAO engalfinhou- se com a franca opositora por uma boia de salvação, desmentindo, assim a excludente da ilicitude chamada em Direito de Estado de necessidade, ao reconhecer a universalidade das privações humanas.

Meu amado pai Ramon Garcia era fantástico e eu sou feliz por poder ter tido como Mestre, amigo, conselheiro por vinte sete anos.

Espero ter absorvido alguma coisa, ao tentar fazer de meus dias a legítima defesa dos bons e ternos sentimentos traduzidos em trabalho, escritos e lembranças...