VELHO PORTUGAL
Falar de um “velho” Portugal pode parecer um tanto estranho, já que fomos descobertos e colonizados por ele. Velhas, enfim, são as minhas recordações da primeira vez, do primeiro encontro com as origens. Já muito escrevi a respeito, menos sobre a Praia de Vasco da Gama, em SINES, cerca de duas horas de automóvel de Lisboa, no Concelho (com C mesmo) de Sines, Distrito de Setúbal, Baixo Alentejo. Era junho de 1967, verão europeu e já estava instalado na capital lusitana. Levei alguns endereços de portugueses com parentes estabelecidos no Brasil e visitei praticamente todos, com vários convites para almoço ou jantar, graças a Deus. Minhas economias eram mais apertadas do que colete de índio. Portugueses sempre muito acolhedores e simpáticos , quem muito se queixa deve aprofundar sua autoanálise. Muitas coisas me chamaram atenção em território luso, na Ilha da Madeira, Funchal, e em Portugal. Muitas senhoras trajando preto cerrado, em roupas de luto, especialmente nos bairros lisboetas da Alfama e da Madragoa e um receio colossal da polícia política, a famigerada PIDE. Creio que, à época, ainda era Primeiro-Ministro o António de Oliveira Salazar, pouco tempo depois sucedido por Marcelo Caetano. Certa feita, pedi orientação de endereço, na rua, a um casal português. No encerramento, disseram que eu falava um ótimo português e que, lá para os lados do Rocio (ou Rossio, Praça Dom Pedro IV) poderia encontrar vários patrícios meus (havia muitos ingleses e italianos fazendo turismo). Um dos endereços a procurar era de um amigo de meu avô, também português, José Simões de Matos: certo Almirante reformado, líder espírita e editor da Revista Reencarnação, de grande prestígio e circulação no meio da crença. Nela, meu avô publicava textos doutrinários. O Almirante, a esposa e a Secretária da Revista receberam-me com fidalguia e atenção na ampla residência, que também abrigava a gráfica. Não só com eles jantei como me convidaram a passar um domingo em Sines, na praia de Vasco da Gama. Para mim, nas circunstâncias, era uma dádiva. Linda praia, num dia ensolarado. Pela primeira vez, comi sardinhas na brasa e adorei. Observei, no entanto, que a Secretária, uma “senhora” de quarenta e poucos anos (eu tinha 20) estava a me demonstrar bastante carinho e afeição. Fiquei um tanto sem jeito, mas topei naturalmente uma nova janta na casa do Almirante. Com meus escassos escudos, numa pensão fuleira no bairro da Alfama ou da Madragoa, nem lembro, na Pensão Verde Esperança (um nome inesquecível), aquela era uma programação top. Informei que, no outro dia, lá pelas 5 ou 6 da manhã, eu pegaria o trem para a Madri. O jantar foi supimpa, achei que as cortinas já estivessem cerradas. Pois no outro dia, creio que numa segunda, a Secretária procurou-me na estação e comigo ficou até a partida do trem (viagem em bancos de madeira incômoda). Trouxe-me uma caixa de bombons e me fez delicados carinhos. Fiquei constrangido, não sabia exatamente o que dizer, como reagir, ainda que fosse bom. Mas o trem saiu no horário e cortou o clima. Vasco da Gama (nascido justamente em Sines) não só foi um grande navegador, como também me propiciou essa nova e curiosa experiência existencial em terras de meu segundo país de eleição e cidadania. Voltei mais duas ou três vezes em outros anos e pretendo retornar uma vez mais. Tenho, aliás, caprichado no cultivo da língua.