"Meu filho, meu mundo"
A primeira vez que ouvi falar em autismo foi no filme “Meu filho, meu mundo”, que vi na TV na década de 80. Embora eu tenha visto este filme apenas uma única vez, num longínquo dia da minha infância, sempre me lembrei de tantos detalhes do filme que parecia que eu tinha assistido mais do que “Um príncipe em Nova Iorque” ou “Lagoa azul” na sessão da tarde.
O fato é que nunca esqueci desta história, lembro de uma cena em que o médico explica para os pais que o filho tem autismo de grau severo, que não falaria, que a criança viveria num mundo inacessível, só dela. Também lembro que o menino tinha uma esteriotipia de deixar um prato bambolear no chão, enquanto ele rodava em volta e foi através da imitação dos gestos do filho que os pais desenvolveram um método que possibilitou o desenvolvimento e a reinserção social.
E foi com esse punhado de informações que um dia eu estava diante de uma neuropediatra que titubeava com a suspeita diagnóstica de autismo do Francisco. Ela não fechou o diagnóstico, ficou em cima do muro, mas disse que ele, na época com dois anos, devia falar não sei quantas palavras e saber nomear partes do corpo, o que nos fez ir a livraria procurar um livro de anatomia infantil. Os vendedores estranhavam o pedido, pra não precisar explicar muito eu dizia que meu meu filho tinha prova de anatomia, era uma escolinha muito boa que já preparava pra medicina desde o maternal.
Depois do choque, com o diagnóstico ainda aberto, minha mulher resolveu maratonar todos os canais de mães autistas do youtube. Foi todo um final de semana de vídeos do tipo: 10 características para saber se seu filho é autista; 15 características para saber se seu filho tem autismo; 20 características para te enlouquecer tentando descobrir se seu filho é autista.
E no começo de todos os vídeos as mães diziam “seu filho não precisa ter todas as características pra ser autista”, mas elas nunca diziam qual era o ponto de corte. Ficava a gente em casa contando as características, entregue a própria sorte e pensando “nesse deu três características, neste outro deu quatro características, será que fecha uma média harmônica?! Será que entra na respescagem pra asperger?!”
A sobrecarga de informações sobre autismo fez a gente ter um final de semana de sentimentos antagônicos, enquanto muitos vídeos confortavam o nosso estado inicial de negação, outros evidenciavam sinais do espectro que antes não consequíamos perceber. Esse antagonismo de sentimentos perdurou até fechar o diagnóstico, chamei esse período de autista de Schrödinger.
Foram meses de terapia ocupacional, fonoaudiologia e consulta com especialista em Porto Alegre até o diagnóstico de autismo do Francisco. A ajuda destes profissionais foi fundamental, principalmente por fornecer ferramentas (conhecimento) que nos permitiram desconstruir a imagem esteriotipada que tínhamos do austismo. Foi preciso desconstruir crenças comuns, do tipo “autista não gosta de carinho”, “autista não demonstra afeto”, para entender, no universo da neurodiversidade, que a ignorância é na verdade uma das nossas maiores limitações.
Desde então, acumulo algumas milhagens na sala de espera da terapeuta ocupacional e da fonoaudióloga, para fornecer ao Francisco todas as ferramentas que possibilitem a ele vencer os obstáculos de uma sociedade que acha que pode medir a vida por meio de uma régua que chamam de normalidade. E isso tudo me ensinou uma coisa: Sheldon Cooper não é só um cara esquisito.
O início deste processo de “descoberta” foi na mesma época que comecei a fazer comédia, o que me ajudou a viver tudo com bom humor. Eu vivi as mesmas angústias de todos os pais que um dia se vêem em choque diante de um diagnóstico de autismo, mas toda vez que eu sentia essa angústia, esse medo, eu ia lá e escrevia uma piada com o que eu estava sentindo, porque entendia que se eu podia rir e fazer os outros rirem comigo, eu podia vencer aquele sentimento. Enfim, eis o resultado...
Essa é minha singela contribuição, com atraso, para o dia da conscientização do autismo.
@oantonioguadalupe