UMA APARÊNCIA REAL

Ainda que a idade seja indesejavelmente real, por tudo quanto promete ou sugere em termos de FINITUDE, confesso que gosto de uma digna aparência veterana, com barba branca, mais do que a imagem “rejuvenescida” do rosto bem escanhoado e os poucos cabelos raspados. Cinco ou seis anos a menos não são nada. Se você está bem apresentável no esplendor da velhice, com tudo quanto possível em dia, não existe rigorosamente vantagem em contentar o presente, os preconceituosos que se danem. Relaxamento é uma coisa, ostentação consciente de uma idade mais avançada é algo assaz diferente e satisfatório. Talvez um dia me exclame, mas hoje eu me orgulho da idade e acho importante prestigiá-la neste mundo voltado preponderantemente para a juventude. Enfim, gosto de ser relativamente velho, porque tenho sobrevivido até agora e ainda apreciaria mais tempo, até de bengala. A grande vantagem de ser jovem é quando se tem idade efetiva para tanto, no mais, é ilusão pura e negação descabida do fluxo existencial. A morte é o imponderável na vida de qualquer um: quem parte deixa saudade e um exemplo, mas não sofre. Não se pode morrer é de medo de morrer. Há um enorme preconceito contra a velhice, mas o detestável não é a cronologia e, sim, a doença, as limitações, a dependência; problemas que também atingem alguns mais jovens. Chegar aos cem anos com saúde é bom, não deverá ser meu caso, não importa. Ficar feio, encarquilhado, mais devagar, menos disposto é natural, ninguém escapa, mas pode ser protelado para outros estágios etários. Ou não. Seja como for, é impossível rejeitar a vida, muito melhor valorizar os seus momentos, pois coisas boas sempre podem ser usufruídas. Se você não mais consegue abocanhar uma maçã, faz uma batida ou um suco. E segue o baile. Até que o dia amanheça.