Sapatos velhos

Ao sentir aquele desconforto em meus pés, pude então compreender, olhando para a sua fisionamia cansada, que era chegada a hora derradeira: meus sapatos estavam entrando com o pedido de aposentadoria.

E olhando para seu aspecto desgastado, podia ver claramente que se tratava de um pedido de aposentadoria por invalidez. Acaba sendo o destino de todos, nenhum calçado em minha vida teve oportunidade de se aposentar por tempo de serviço.

No entanto, antes que eu possa finalmente relegar a este par o merecido descanso, preciso de sapatos novos, o que se mostra uma tarefa árdua, visto que pelo massacre que meus sapatos sofreram, certamente, não darão boas referências do dono para o próximo par a ser adquirido.

Apesar de não ter boas referências do dono, não tenho dúvida que meus sapatos terão boas histórias para contar, mais ou menos assim:

“Não lamento o meu destino de sapato humilde. Sei que do couro que me fizeram, podia ser um Ferracini, um Gucci, mas quis o destino que eu fosse um pegada em promoção na Renner.

Mas de verdade, não lamento o meu destino, pelo contrário. Enquanto um Ferracini estaria por aí, pisando em algum tapete vermelho, eu estava nos pés de um pai, despreocupado com as instruções de uso e conservação do couro, jogando bola com o filho no pátio.

Posso não ter ido a eventos grandiosos, mas quando que um Gucci vai poder dizer que fez um gol de voleio?!

Outra experiência que tive que estes sapatos de grã-fino iam se apavorar, andei no barro, conheci os dias de chuva, fui brinquedo nas mãos de um criança, calçando a ilusão de um menino que queria ser grande.”

Olho admirado para os meus sapatos, lembrando os tantos caminhos e penso: devido a crise, vai incidir a reforma da previdência, tem mais três meses de contribuição antes de se aposentar.

@oantonioguadalupe