Mais um golinho de café, por favor
Em casa ele nem toma café, agora, aqui, deu pra tomar um copo atrás do outro. Não, ele não nasceu assim, não, até os vintes anos de idade ele era normal, igual a todo mundo, mas depois de uma briga, ficou desse jeito, abobalhado. Na época ninguém dizia que ele voltava, passou um bom tempo na UTI, mas graças a Deus, por um milagre que só ele é capaz, o João saiu do coma e hoje tá aí, vivo. Trabalho ele dá, teimoso que só ele, só Deus sabe a minha luta, mas a vida é assim mesmo. João, para de ficar pegando café, deixa esse copo aí e vem sentar, agora! E a senhora, tá aqui pra quê, vai passar com doutor Pedro também? Sim, vou pegar remédio, mas não é pra mim, é pra minha mãe, já fazem três meses que pego remédio com ele. Antes era doutor Renard, gostava muito dele, rapaz muito simpático, atencioso, brincalhão, mas o doutor Pedro também é bom. Quando eu comecei a trazer o João aqui, já era o doutor Pedro, não conheço esse tal de Renard, não. João, vem pra cá, não senta aí não, você não sabe que ai não pode! Tá vendo só, como ele é desobediente. Eu também já tive depressão, sofri um ano, não queria saber de mais nada, minha vida era chorar, acordava chorando, dormia chorando, mas, pra ser sincera, não foi o remédio, foi a igreja que me ajudou, me tirou daquilo. E a mãe da senhora, ela sofre de depressão? Sofre. Desde que meu pai morreu, e eu a trouxe do Nordeste pra cá, pra morar comigo, ela tem se medicado. Meu pai maltratava muito ela, sabe, era daqueles Cabras brutos, ignorantes de antigamente. Sei como é, minha mãe também pastou muito na mão do meu pai, graças a Deus que eu tive a sorte de ter um marido bom, até as coisas de casa comigo ele faz. Um homem exemplar, dele não tenho muito do que reclamar. João vem aqui, daqui a pouco é a nossa vez!
Fechei o livro que estava lendo e entrei no consultório, senha M97, era a minha vez de ser atendido.