UM GRANDE AMOR EM PERIGO

Vou escrever sobre meus cachorrinhos Poodle. Bidu, atualmente com 12 anos, veio no pacote da Andrea, quando decidimos coabitar. Foi criado em regime de guarda compartilhada entre meus cunhados e Andrea, que moravam no mesmo apartamento e é um cachorro torrense, como, de resto, os outros de quem falarei. Quando tinha um ano, numa visita a casa do pai de Andrea em Torres, mal o carro fora desligado, saltou pela janela e, tomado loucamente por canina paixão, fez amor com Baby. Baby, então com dois anos a mais, era uma cadela Poodle criada em pátio e pertencia à empregada do dono da casa. Desse romance praieiro, Baby engravidou e pariu uma ninhada de quatro, sendo que três acabaram morrendo. Numa de nossas visitas a Torres, encantou-nos um filhotinho esperto e peludinho, com quase dois meses. Como eu já tinha acolhido Bidu, fiquei cogitando de adotá-lo, mas achei um absurdo manter dois cães dentro de apartamento novinho e decorado com cuidado, em que vivemos, eu, Andrea e Gabriel, meu enteado, há quase 3 anos na Austrália. Na verdade, hoje mantemos quatro cães, com a adoção do xangrilense Pelé, há dois anos. Bem, no Dia dos Namorados – Andrea me surpreendeu com aquela bolinha peluda e assustada, que acabamos chamando de Chopinho. O tempo passou, hoje Chopinho tem 11 anos e continua alegre, esbelto, bobinho e palhaço, ao contrário do “Doutor” Bidu, que tem ar de seriedade, ainda que muito afetivo: rabugento, pela idade. Mas a saga não parou por aí. Ao retornar de uma das visitas a seu pai, em Torres, Andrea apareceu-me com a Baby. Sim, a cadelinha ex-esposa de Bidu, mãe de Chopinho, agora com cerca de 15 anos, cega de um olho e com um mínimo de visão no outro, ouvidos muito infeccionados, pelagem detonada pela intempérie e vida livre. Baby é uma sobrevivente: ceguinha, pela catarata, caiu dentro do rio Mampituba, que passa rente ao jardim da casa em que morava, e conseguiu sobreviver heroicamente, tendo sido encontrada longe de casa, em meio às macegas, dois dias depois. Eu já ficara impressionado com seu apego: não desgrudou de mim, quase que suplicando carinho, quando lá estive na primeira vez. Sua dona, aliás, queria nos dar o bichinho, mas resisti, na ocasião, assustado com as dificuldades de convívio com a matilha num apartamento de cidade e com o investimento que a cadelinha realmente demandava. Mas Baby decidiu vir, sempre grudada em mim, afetiva e dependente, e eu me apaixonei. Faz uns cinco ou seis anos, creio. Teve agravamento da catarata, problemas de verrugas que coçam muito, precisou fechar cirurgicamente um dos ouvidos infeccionados, ficou com labirintite, depois síndrome de Cushing e, nos últimos dias, seus tumores mamários, que, no início nem eram tão expressivos, tornaram-se bolas gigantes, endurecidas, que paralisaram suas pernas traseiras, de modo a não conseguir nem mesmo parar sentada, um horror. Cresceram estúpida e desmesuradamente em apenas dois dias. Sem controle de necessidades fisiológicas, pois não consegue andar, tem nos exigido enorme dedicação. Meu sofrimento talvez seja maior que o dela próprio. Amanhã de manhã vai ao Hospital: muitos exames e aquela história do opera ou não adianta. Sempre quis evitar este sofrimento, em virtude da idade do bichinho. Como é uma sobrevivente, tenho, entretanto, esperança que vença mais este desafio, mas vai ser complicado, difícil, sofrido. É um pedaço de mim em risco de ser arrancado. Meus últimos anos envolveram parte expressiva de tempo em função da Baby, o que foi bom para ambos. Como ela já está relativamente fora do ar, um imenso vazio começa temporariamente a me envolver. É um grande amor em perigo.

PS: ARRASADO, ACABO DE AUTORIZAR A EUTANÁSIA DA BABY. APAGOU-SE NA MINHA PRESENÇA E DE ANDRÉA, TENDO AINDA, COMO GESTO FINAL, LAMBIDO MINHA MÃO. DOR IMENSA QUE FICA. 10/07/2021.