Num outro linguajar
A minha linguagem é tão simples.
Tem cheiro de terra de chão batido, de cama de vara, de colchão de capim, de casa de taipa, de mãos calejadas de quem sabe o peso que tem o cabo da enxada, da foice, martelo, de estrovenga, do Facão (de marca Colins ou Guarani), do formão da inchó, da pua, da enxadeta, do serrote e de outras tantas ferramentas utilizadas para a lida diária do meu povo.
Minha palavra, é colhida dos dizeres daqueles que nem sabem pronunciar a palavra academicismo, pois não tiveram a chance de se aproximar nem do portão de uma escola.
O meu verso vem do dizer matuto daquele sem preocupação de uma fonética lustrada que cause admiração de notáveis e célebres acadêmicos.
A minha voz ecoa como silvo breve de uma tocada de pifano nas tardes brejeira de um avermelhado sertão, ou nos repentes que Chico de Marota improvisa utilizando toda sua sabença, ponteando a viola com destreza e maestria de quem sabe o que faz, alegrando as rodas dos ajuntadores de causos e cantorias.
Meus olhos viajam por verdes paisagens entre juremas, calumbis espinhosos, troncos que também brotam fulor colorida e perfumada exalando o cheiro doce de um sertão bonito que se espalha até o fim da linha que divide o horizonte e nos faz ver que o céu, quase cola na terra.
Minhas estradas são as veredas regadas por orvalho logo no romper d'aurora, onde sigo gratificado a Deus por tanta beleza que meu olhar enxerga.
A arribada da perdiz, ao notar a minha presença é um delírio contemplativo que sinto vê-la avuando no céu azul do meu tao bonito e prazeroso sertão.
Seguindo sempre sorrindo, avisto a casa de Vó Zefinha onde a chaminé anuncia que o café logo logo estará borbulhando no fogão de lenha.
Café com gosto de um verdadeiro café, torrado e pilado pelas suas mãos num pilão feito de aroeira que já deve ter mais de 200 anos, feito pelo bisavô do pai dela.
O cheiro de cuscuz com carne torrada exala e invade meu nariz faminto, e lá estou, de prato de alumínio na mão, servindo-me desse manjar sertanejado que depura a alma em gosto tão meu.
Ah sertão amado, em ti vejo as DESNECESSIDADES, de língua embaraçosa, onde ouço constantemente alguém perguntar: PROMODE?, outras interjeições me fazem sorrir ao ouvir os relatos de Joaquim de Dedé que diz: *TERNANTONTE TRUVEJOU TANTO QUE PENSEI QUE UMA BANDA DO CEU FOSSE DISPENCAR*
Aprumei as oiças para ouvir seus bolodórios, contente por estar ali (mesmo que de passagem) para saborear gostos, gestos e costumes do meu povo que tanto me ensina o muito que sabem da vida, sem régua e sem compasso e sem lustragem de palavras abonitadas.
Esse é o sertão, que me oferece o aprendizado necessário para formar a minha lucidez mais pura, mais honesta e mais feliz.
Carlos Silva.
Poeta das águas termais.
03.07.21.
COM A COLABORAÇÃO DO POETA TONHO DO PAIAIÁ, ELE EMENDOU O TEXTO DIZENDO:
Vou principiar e arengar as coisas que a vida nos ensina, aos pedaço, poeta-cantador-cordelista das águas termais.
A iscrivinhagem de vamicê é grande dimais, sabe?! Intonse merece ir digavazinho cuma diz os minino lá da roça.
Vamo lá:
"..... dos dizeres daqueles que nem sabem pronunciar a palavra academicismo, pois não tiveram a chance ......."
Pois bem, meu caro irimão em Cristo, o academicismo está em cada experiência e fazer dos nossos irmãoszinhos da labuta sertaneja. Não há universidade nem faculdade pra isso, sabemos!
Para ilustrar.
Eu tive um amigo, filho de pai rico mas não estudou, só era mesmo motorista de caminhão como ele dizia de boca cheia e a pleno pulmões. Certo dia, num encontrozinho de bar, deitou-se falação.
Manu de Tota Grude, virou pra ele e, num repente, disse:
- Terenço, você foi menino junto com Miro de Zeca Tamanco num foi?
- Sim fui e ele era meio abilolado, num regulava bem da bola não. Eu protegia ele dos minino maior qui quiriam mangá dele e até mermo batê.
Apois, Miro hoje é médico operador lá na capital do Rio de Janeiro (ainda era Guanabara).
- Apois me deita alegria sabê disso![exclamou Terenço], mas não me dá um tiquinho que seja de inveja, num sabe?!
- Sei, sei..... Terenço, vamicê é boca de zero nove!
- E deix'eu lhe dizê, de coração mermo, uma coisinha só, pra vamicês todo assuntá.
- Lasque aí, Terenço véio de rocha!
- Num tem doutô médico, cuma ele é; doutô ingiêro, cuma Bisouro de Pedo Cavaco; doutô adevogado, cuma Zé Rolete de Maria de Aiaiá?
- Sim tem, conheço todos eles foi do nosso tempo de minino lá na rua da bananeira.
- Apois. Eu sou dotô em dirigir caminhão[e era mesmo, viu!], eles lá com a dotôrage deles e eu cá c'a minha!
Essa falação toda, naquele esplendoroso dia, me ensinou a ser o que eu sou; Terenço mostrou, a todos que estavam alí presentes, que a vida é composta de todas as destrezas, cada qual no seu quadrado.
Isso me bastou! Trago comigo aquela lição de uma sala de aula da universidade da vida
"Esse é o sertão, que me oferece o aprendizado necessário para formar a minha lucidez mais pura, mais honesta e mais feliz"
Né mesmo poeta-cantador-cordelista das águastermais, com uma nesga de sangue natubeiro?!
Sertão nosso de toda vida, que, nas suas veredas físicas, imaginárias ou intelectuais, nos deu e nos dá andanças por esse mundão de meu Deus afora, verbalizando ou arranhando no papel as sabedorias adquiridas em cada encruzilhada, em cada passadiço, em cada rancho, em cada parada, em cada sombra de uma pé de juazeiro se esquivando do sol ou em cada caçaçamba armada com palha de licurí pra nos proteger do sereno na lasca da caatinga.
Portanto, sigamos dizendo, cantando, escrevendo, vendo, lendo, ouvindo e, por prudência, calando!
Ave Cultura!!!
[Os nomes são fictícios e os negritos acrescentei]
Imbassaí, 3/7/2021 - curtindo a chuva e driblando o frio
tonhodopaiaia.org