O valor de um torrão de Rapadura

Certamente o leitor conhece rapadura, a complexa sacorose da cana de açúcar que não passou por refino; o qual refinado, é ou era feito através de enxofre, carbonato de cálcio e soda cáustica. Não sinta-se surpreso, mas ao ingerir açúcar, você leva(va) de brinde para o interior do organismo, um mínimo, um torrãozinho quase nada cortante de vísceras, de soda cáustica e outros compostos.

Fique em paz, continue consumindo açúcar na boa, pois, oriundo dos períodos pós-guerra, todo alimento processado possui alguma química. Obviamente, devido ao estudo científico sistemático, em quantidades e medidas certas. Tudo, quantitavamente, dosado para o leitor não leiloar de imediato o que melhor possui, que é a complexidade do sistema respiratório/estômago/intestinal.

Aliás, pense no lado bom das guerras; e se tens em mãos um telefone celular, um carro na garagem, alimento em abundância à mesa, todas essas e muito mais coisas devem favor as guerras. Ademais, senão fossem as guerras, a matança por falta de alimento seria maior, gigantescamente, maior que a pandemia do Coronavírus. Portanto, louvemos os insetidas, herbicidas, agrotóxicos, pesticidas. A saber, a terminação "cida" em latim, é matar, assassinar em português.

Por favor, antes de execracar-me, lançando-me nas caldeiras ferventes do inferno das palavras praguejadas, os parágrafos descritos são objetos de estudo e pesquisa da ciência química (principalmente a industrial) e a econômica, transposta em conceitos e abordagens para os anais da história mundial. Portanto, longe das inverdades, são fatos.

Lenha, Fumaça, Cinza

No grotão,

chaminé enterrado;

Pelos filhos da terra,

abandonado;

Com o Fogão um dia,

foi casado!

Seguindo viagem pelo fantasioso, empático e amistoso lado"B", porque o "A" são verdades e realidades, as quais sob as chamas do capitalismo, lançadas debaixo do tapete, até por quem se intitula douto no assunto, viajando sobre duas rodas de uma magrela, aportei-me numa cidadezinha pequena, daquelas de sentimento único, que é Um pela maioria; e a maioria, por Um. Duvidas, mas isso ainda existe e já passei por vários acolhimentos, que comprovam o que escrevo.

Apeei da "Guerreira", como alcunha dada por uma senhora na Serra da Canastra; e de bate-pronto, um fulano magro, esguio e sorriso largo veio ao meu encontro. Apresentou-se, perguntando, de onde vinha e para aonde ía. Como palavras sensatas e gentis, geram palavras sensatas e gentis, respondi em igual teor.

Ficamos por um tempo papeando, e ápice da conversa girava em torno de bicicleta, dos suores que ela nos proporcionava, tanto quanto o prazer de sermos transportados para o infinito. Unidos pela magrela, a única diferença é que Eu dou mais ênfase em viajar de bike, enquanto Ele surra-a, e é surrado por ela, nas competições.

Modalidade de esporte ciclístico que nunca me propus, afinal, para mim, a batalha diária pela sobrevivência, é uma árdua, difícil e dolorosa competição; e quem saiu do nada e ganhou o topo do pináculo, sabe o que digo.

Paulatinamente, ouvi dEle se estava tudo bem; se não, que ficasse à vontade que Ele auxiliaria-me. E por quantas vezes Ele perguntou, Eu respondi que estava tudo bem, que a viagem transcorria sob o planejado; e que em breve estaria no destino. Logicamente, completava a resposta, que sob a proteção e os mandos de Deus, chegaria em paz.

Ele indicou-me a saída para a rodovia. Nos despedimos, desejando um ao outro, sorte, saúde, cuidado; e que, competindo ou viajando, que fôssemos guiados e protegidos por Deus, sempre.

Terminei de tomar o café. Deixei um até breve para os demais que estavam na lanchonete, dobrei o corpo sobre a magrela, ajeitei a bunda sobre o selim e os pés sobre os pedais, e força física, por que a tenho?

Pedalei uns 700m, quando vi alguém gesticulando. Quem poderia ser? Era o companheiro de esporte, esperando-me na calçada em frente a sua casa, com um pedaço de rapadura embrulhado em um saco plástico.

Parei. Olhamo-nos vistas nas vistas. Ele abriu um sorriso sincero e disse: "leve isso, no momento que bater a fome e a glicose abaixar, será a salvação".

Não titubeei em pegar o nobre presente. Agradeci, ratifiquei o desejo de boa, pacífica e harmoniosa competição, porque Eu seguiria a minha.

Durante a viagem, confabulando com Deus, o Criador de todas coisas alertou-me que "o valor de um torrão de rapadura" é a pura e simples humildade de um coração que se importa com os batimentos e o açúcar no sangue, de outro coração.

Coração empático, àquele que, fatalmente não comunicará mais comigo; mas certamente, sempre será lembrado com boas energias, pelo meu. Sobretudo, ainda que distantes um do outro, corações generosos se comunicam pelas recordações de um delicioso, torrão de rapadura.

Essa é somente mais uma, das inúmeras, porém, trafegando pelos caminhos da imprevisibilidade, muitas coisas mais são possíveis; inclusive, a esperança que a viagem de todos os seres, desde uma minhoca, passando pelo homem, até a girafa, o elefante e o camelo em pleno deserto, poderá ser mais pacífica e harmoniosa no Planeta.

Para isso, bastam ação, percepção e cooperação mútua entre todos os seres vivos.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 28/05/2021
Reeditado em 29/05/2021
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