Filho de Boiadeiro

Vai,

Vai, vai boi;

Cabeça baixa,

Passos lentos no estradão.

Vai,

Vai, vai boi;

Estrada afora,

Vai puxando o carretão.

Filho de boideiro, esse trecho de letra ruralista me remete ao passado. E ao viajar de bicicleta, vou refletindo quão parecido é pedalar, suar a bunda em cima do selim, exercitar a "roda gigante" de um pé estar em cima e o outro embaixo, com o chamar as juntas de bois: "vêm Estrela, chega Laguna, pra direita Lampião".

Alternadamente, ambas as viagens ora é lenta, ora é rápida. Quem impõe a velocidade, é o relevo das estradas. Nas descidas, maiores velocidades; enquanto que nas subidas, a velocidade tende a zero. É nesse momento que bois e Eu abaixamos a cabeça, fincamos os pés na terra e nos pedais; e o mundo parece parar.

Vagarosamente, as árvores, postes de iluminação, o gado reunido na mangueira e os mourões de cerca, um a um vão passando. Repentinamente, uma siriema finge correr. Assustada, bate asas. Voa. Para se defender do predador, cada ser vivo faz uso das armas que possui.

Casinhas desabitadas surgem à margem da estrada. Um dia, o qual não se sabe exatamente quando, foram cheias.

Cheias de sorrisos, cheias de cheiro de comida, cheias de luz de lamparina, cheias de gente. As palmas que diziam: ôô de casa", silenciaram. Fora os musgos tomaram assento no alpendre, atualmente vazias, sobrou a solidão para contar a história das chaminés que sucumbiram-se no redemoinho de fumaça do tempo.

Vou avançando e o chão, demarcando. As casinhas com portas, janelas, sem campainhas, também ficam para trás; em compensação, as estradas vão se abrindo: ora estreitas, ora largas. Ora nas alturas; ora nos baixios. Todas estradas levam à algum lugar.

Direita; esquerda. Confluências e desvios aparecem. Saio de uma estrada, inicio a demarcação em outra; e tudo se repete. Até quando? Até alcançar o teto de uma casa para descansar. Protegido por Deus, quem guia carro de bois ou viaja de bicicleta, chegar em paz é a premissa maior.

E ao chegar ao destino, a viagem é um banho de suor poético inacabado:

Vai,

Vai, vai pedaleiro,

Cabeça baixa,

Altas e baixas velocidades no estradão.

Pó,

Poeira,

Vento na cara.

De belezas,

Solidão,

O fio de água escorrendo na bica,

Canto enamorado da saracura.

Herança de pai,

Filho de carreiro.

Pela vida bela,

Sou passageiro.

Do que vi:

Bicho preso na arapuca.

Do que me disseram:

"Felicidade é uma casinha branca no topo da colina";

Dou notícias de tudo.

Duas rodas girando,

Em outra manhã,

De outro dia,

Sou mensageiro.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 20/05/2021
Reeditado em 20/05/2021
Código do texto: T7260110
Classificação de conteúdo: seguro