Sonho Insistente
Sonho Insistente
Tenho um sonho insistente que me tem acompanhado da meninice até a adultice. Sonho mesmo, desses que temos quando dormimos e não daqueles que temos em vigília, projetando algo que desejamos ardentemente há muito realizar, sonhando acordada.
Sonho com escadas. Muitos degraus, poucos degraus, estreitas, largas, sinuosas, suntuosas, em ruínas... Tudo quanto há de modelo de escadas para designer algum torcer o nariz. Mas, sejam elas minúsculas ou gigantescas todas me causam pavor. Estando subindo ou descendo não importa, o medo é o ponto focal do sonho insistente. Fico estática, tentando me agarrar a alguma coisa ou superar o temor de encarar o primeiro lanço. A sensação de angústia transcende o estado de sono profundo. Parece que vivo de verdade aquela peleja libertando fortes descargas de adrenalina acordando como se lá estivesse. Alívio ao me descobrir sobre a cama.
Esta fobia é estranha porque vive apenas no mundo de Ícero, que habita a terra da escuridão além do Sol nascente. Quando estou nos braços de Morfeu a paisagem é outra e até consigo voar, pular obstáculos sem que isso me leve a sudorese. Acordada, a escada é um utensílio tão banal que nela ando, subo, desço. Até a correr, dependendo da urgência, habitada no cotidiano. Alias, vai pra mais de vinte anos que meu habitat é apartamento. Passei por dois com grandes lanços de escada e tudo bem. Mas, quando o sonho insistente vem... Ai, ai, ai...
Engraçado que nem a maturidade me curou deste sonho, que poderia ter evoluído para imagens mais sazonais. Não! O mesmo combate, como se o tempo tivesse sido congelado. Andei até pesquisando no internetês, nos livrinhos que decifram sonhos e as explicações sempre me pareceram um tanto folclóricas e bizarras. Partindo para uma investigação mais científica e menos excêntrica debati com o meu terapeuta sobre este sonho com mania de idéia fixa. A intervenção me deixou meio cabreira. Mandou logo uma questão a respeito da questão. “Mas o seu sonho insistente não seria casa?” Onde já se viu tanta falta de habilidade! Essa é outra história, para outra hora e outra elaboração. Um sonho me causa medo e outro, repugnância! Sensações igualmente desconfortáveis, ainda assim, bem diferentes. Achei melhor Trocar de psicólogo e nem tocar mais no assunto do sonho insistente. Decidi que seria mais auspicioso elaborar a questão escrevendo um texto. Aí quem sabe dê pano pra manga e até vire um livreto de auto-ajuda, ou de terror, quem sabe comédia. De fato, quanto mais escrevo sobre, mas o sonho insistente vai perdendo a forma e o tamanho. Muitas outras coisas em minha vida, a exemplo da “casa”, foram virando texto, sendo pouco a pouco amalgamadas, assimiladas, refinadas até virar bolhinha de sabão, ganhando leveza e significado. Desses que não encontramos nos livros, às vezes nem com ajuda de profissional, pois moram lá dentro mesmo e só saem quando deixamos, a despeito de interferências externas. Ficam quietinhos, aguardando o clique ideal para aflorar e se resolver. Escada, casa, vôo rasante, píncaros, apogeu, perigeu, picos de humor, alegrias, tristezas, afetos, malquerenças. Tudo sou eu numa só. Só eu sou assim, Só eu tenho a mim. Sim... Bem assim...Ah sim...Frenesim... Enfim.
Valéria Escobar