ALAZÃO DA NOITE

Seja pelas restrições da pandemia em pleno curso, seja pela situação política, econômica, social e cultural, não apenas neste nosso país de superpopulação, mas mundo afora, não há como espantar o espectro da tristeza. Nunca fiquei e não estou deprimido, assim como não tenho noção do que seja dor de cabeça. Mas estou triste com o panorama geral, com a vida que temos de levar e com tantas trapalhadas. Talvez seja coisa que afete mais diretamente os veteranos, já que nosso tempo é o agora. Mas, por isto ou por aquilo, ninguém escapa deste clima pesado. Quando o cativeiro dura mais do que um ano, a liberdade grita e esperneia. E tudo indica que ainda teremos muita estrada a percorrer. Mas, mesmo sob bombardeio, a vida segue basicamente normal por estas bandas com os quatro cachorrinhos: passeios, comida, remédios, banhos e broncas diversas. Eventualmente, filhos e netos ao vivo e em cores. O vinho tinto cumpre também sua missão, tanto quanto o telefone e a internet. Em datas especiais, praia e Gramado, mas, doravante, em doses homeopáticas. Saudade de uma aglomeração caseira com amigos, ou de um restaurante ou barzinho cheio e alegre, sem restrições. Diziam-me, alguns, o que é um ano a mais? Agora, dirão quem sabe ainda mais um? Não há o que fazer, mas, numa certa idade, dois anos podem representar dez para quem tem quarenta e poucos ou cinqüenta. Quem sobreviver, verá. Mas, só fico triste e não me curvo, pois existem várias outras pequenas formas de alegria, tudo dependendo do que se cultivou e guardou na alma. Agora, por exemplo, estou contente, escrevendo, rasgando o peito, ao sabor de um bom vinho tinto, com Baby cochilando a meu lado e a mulher, no quarto, acompanhada dos outros três fiéis escudeiros. “Ó tristeza me desculpe, estou de malas prontas, hoje a poesia veio ao meu encontro, vamos viajar.”