MEU NOME

Meu nome é um pouco estranho. Eu não diria de todo exótico, mas não tão comum que possa passar despercebido. E sua relativa raridade bem como seu poder semântico e fonético me causaram desconfortos e aborrecimentos ao longo da vida. Por causa dele coleciono mofas, chacotas e gozações. Um rosário de penas que conto uma a uma ao longo de minha existência. Vou narrar aqui tudo o que me aconteceu e o que eu passei por causa do famigerado nome com o qual meus pais ousaram me presentear.

Desde pequeno o achava estranho e comprido demais, mas não tinha ainda a malícia para perceber o que significava. Apenas na aurora do entendimento, quando tinha por volta dos dez anos que percebi aceso o lume da clarividência e pus sobre as costas o fardo que carregaria pela existência à fora . Desde então passei a ter vergonha do meu nome e achá-lo um tanto quanto agressivo.

Obviamente que tudo depende do ponto de vista e da maneira de se ler. A nossa mãe majestosa e soberana língua portuguesa nos põe à mesa pratos diversificados e iguarias que muitas vezes temos dificuldades para digerir.

E como evitar que isso seja usado para interesses escusos? Como me era possível evitar que os colegas maldosos da escola, aqueles que ficam de plantão para criticar todo mundo deixassem passar batida uma chance dessas?

Sei que estou enrolando um pouco, usando alguns artifícios literários de protelação, com a intenção clara de fazer suspense e despertar no leitor intrigante curiosidade. Mas em breve revelarei o inusitado nome e o que sucedeu-se por causa dele. Posso garantir que em razão desse infortúnio muito já sofri, já passei cabisbaixo por entre os corredores do colégio, já me escondi debaixo da carteira na hora da chamada, já briguei, e me meti em muitas confusões.

A maior dificuldade foram as críticas ácidas que surgiram principalmente quando estava cursando o ensino médio. Tinha um colega que criticava-me o tempo todo, fazendo-me passar por situações muito vexatórias. O mancebo não perdia oportunidade para bradar meu nome completo, com aquele tom de critica na voz, fazendo a risada coletiva ecoar por entre salas e corredores do colégio. O riso e a chacota estavam de mãos dadas e faziam ciranda em volta de mim. O meu algoz, meu carrasco e maior inimigo de toda a vida se chamava Joel

Senti um reconfortante alívio quando me formei e fiquei livre de todo aquele aranzel. Depois disso vez ou outra vi um risinho daqui, outro dali quando pronunciava meu nome completo, mas isso não tinha muita importância. É na fase da adolescência que essas coisas machucam mais. Eu estava tranquilo e até já aceitava meu nome como o fardo pesado que a mim fora designado carregar pela vida afora. .

Chega de engambelação. Chegamos ao momento crucial da revelação. Meu nome é Jacinto Leite Aquino Rego. Um nome um pouco raro e dependendo do modo como é lido forma uma frase um tanto quanto tendenciosa.

Numa bela tarde estava chegando ao escritório de um advogado para tratar questões referentes ao meu divorcio e foi nesse momento que as coisas se complicaram novamente. Existia um açougue ao lado do escritório e nesse açougue trabalhava meu antigo colega de escola o indesejável Joel. O algoz, o meu perseguidor, a pessoa que gerava em mim um ódio mortal. Quando me viu, lembrou-se logo dos velhos tempos e começou a proferir seu discurso infame:

-Olha se não é o Aquino? O meu amigo de escola. Jacinto leite Aquino rego. E aí cara continua sentindo? E como é a sensação? Tão velho e não perdeu a mania. Acho que vai escorrer até a morte.

Não disse nada e entrei para o escritório do advogado.

No dia seguinte passando novamente por lá, fui outra vez chacoteado por aquele pulha insuportável.

No terceiro dia também

No quarto dia, tomei uma decisão. Precisava acabar definitivamente com aquilo. Vesti a armadura da coragem. Muni-me de ousadia e fui para o embate final, na resolução daquela terrível pendenga. Peguei uma pequena pastinha que carrego sempre comigo e dentro dela havia um objetivo que poderia resolver de vez a questão. Estava decidido. Não poderia aguentar mais aquilo. Sabia que seria uma atitude drástica, que teria consequências para o resto da vida. Teria que conviver com aquilo todos os dias, mas não importava. Minha intenção ao apelar para aquela atitude tão contundente era acabar de vez com a chacota, com as mofas e o desprezo. Queria eliminar a fonte do mal, e suportaria as consequências. Respirei fundo e fui.

Aproximei-me do local, um pouco indeciso, olhei para o objeto dentro da pasta, hesitei por alguns segundos. Refleti profundamente se deveria fazer aquilo. Depois de algum tempo me decidi. Atravessei a rua devagar, parecia estar pisando em um campo minado, suava frio, meu coração desesperado parecia querer saltar para fora do peito, estava prestes a fazer algo que mudaria toda a vida. Não teria volta. Poderia ficar preso para sempre nas grades de minha consciência. A ideia da mudança me oprimia, mas precisava ir em frente. Agora era tudo ou nada. Sabia que daqui a poucos segundos estaria definitivamente livre de tudo. O fim daquela odisseia de toda uma vida estava próximo. Até o tempo nublado com nuvens escuras no céu parecia combinar com a tensão daquele momento. Tudo em mim era indecisão e vontade de agir e de parar, mas prossegui. Cheguei à porta do açougue. Parei, , olhei para aquele sacripanta, assumi uma expressão de ódio no olhar, abri a pasta, olhei mais uma vez para o objeto lá dentro, aquele que resolveria de vez o meu problema, toquei nele resoluto e dirigi-me ao escritório do advogado. La chegando tirei da pastinha o objeto salvador, minha certidão de nascimento e disse: - Dr. eu quero fazer uma alteração no meu nome. Não aguento mais as gozações.

O advogado perguntou-me então qual seria o novo nome e fiquei em dúvida. Poderia escolher um bem diferente, mas isso seria complicado, pois as pessoas já estavam acostumadas com meu nome, e mudanças drásticas causariam confusões em fichas e cadastros que tenho espalhado por vários lugares, ou quem sabe até alguma espécie de crise de identidade. Não é fácil se transformar em outra pessoa. . Talvez uma mudança pequena que não fizesse muita diferença, mas eliminasse o mal.

Depois de muito pensar decidi que o novo nome seria Jacinto Leite de Aquino Rego. Assim, a frase maliciosa estaria eliminada de vez e eu finalmente liberto do mal de toda uma vida.

Senti-me livre quando saí dali. Poderia voar, deixar-me levar pelos ares, envolto na emoção e no entusiasmo que sentia.

Passei em frente ao frigorifico, novamente olhei para o imbecil e dessa vez com uma expressão mais suave no rosto pensei. acabou seu bandido, acabou para sempre.

Depois de algum tempo foi-me concedido o direito à alteração e pude então mudar o meu jamegão em todos os documentos.

Andava livremente pelas ruas, fiz até alguns cadastros de compra sentindo a alegria de usar a nova firma e de saber que não mais veria aqueles risinhos sarcásticos nem teria vergonha ao pronunciar meu nome completo. Sentia-me leve e vitorioso.

Faltava-me fazer apenas uma coisa. De posse da carteira de identidade, fui até o açougue olhei bem nos olhos daquele idiota e disse:

-Olha aqui seu imbecil, acabou a brincadeira, meu nome agora é diferente - Adeus frase tendenciosa.

-O energúmeno pegou o documento, olhou demoradamente, leu em voz alta. Jacinto Leite de Aquino Rego, deu um sorriso zombeteiro e disse:

-Está certo, mas me responda apenas uma coisa: Quem é esse tal de Aqui?