O FANTASMA NA ESTRADA (DEIXA EU COMPLETAR)
“Deixa eu completar”. Essa era a frase que meu pai usava quando o interrompíamos no momento em que contava mais uma de suas historias.
Sempre narrava em detalhes acontecimentos de sua vida e de sua infância, e nossa pouca paciência de meninos não nos permitia ouvir e saborear seus “causos”. Quando o interrompíamos, ele usava a famosa frase e continuava a contar. Na maioria das vezes essas histórias terminavam molhadas de pequenos filetes de emoções que serpenteavam por seu rosto como rios calmos. Sabe-se lá quantas mágoas naquelas águas!
Muita saudade do velho e das suas historias. Se ele voltasse para contá-las novamente prometo que não ia jamais interromper.
Vou lembrar uma delas, e meu pai será o próprio narrador, tentando refazer seu discurso como se ele aqui estivesse contando Tentando reconstruir sua forma de narrativa em sua linguagem simples e coloquial. E só peço uma coisa: “DEIXA EU COMPLETAR”
Fantasma na estrada
Lembro-me nitidamente da noite em que ele contava essa sua peripécia. Todos reunidos na sala após o jantar, e o velho relembrava seus bons tempos de garoto numa historia curiosa do que aconteceu numa noite escura numa estrada, quando passou por um grande susto e teve que provar sua coragem. O caso teve um final surpreendente. Foi mais ou menos assim:
-Eu me lembro de que quando eu era menino e morava lá no Brumado a gente passava ás vezes muitos dias sem vir à cidade. Só vinha mesmo no caso de precisão... uma doença... ou coisa assim. O que precisava comprar a gente comprava por lá mesmo, não tinha muita coisa, mas tinha aquilo que a gente precisava.
-Mas teve um dia que eu precisei vir à cidade para comprar um remédio... eu não lembro bem se foi para a mãe ou para um dos meus irmãos. Saí de lá por volta de quatro horas da tarde, não tinha condução e eu vim à pé. Naquela época não tinha nem asfalto era uma estradinha de terra, muito empoeirada, quase que nem passava carro.
Eu queria comprar e voltar depressa pra não precisar andar de noite no escuro. Eu era muito medroso, então corri bastante para chegar, comprar o remédio e voltar.
A mãe tinha me pedido pra entregar um encomenda na casa da preta que era muito amiga dela e morava lá no baixo São Francisco. Eu cheguei à cidade, fui até a farmácia, comprei o remédio, depois fui entregar a encomenda pensando em voltar rapidinho porque o sol já estava querendo deitar na serra. Acontece que eu cheguei à casa da amiga da minha mãe e o pessoal estava jantando. Era por volta de cinco horas da tarde, naquela época o povo jantava muito cedo. Eles me ofereceram comida, eu recusei, mas insistiram bastante, então acabei comendo.
Jantando e conversando acabou ficando tarde. Então tive que voltar de noite na estrada escura.
-Ah eu morria de medo. Fui rezando pelo caminho. Não tinha lua, nem estrelas, parecia até que ia chover e a solidão da estrada me apavorava. O cri cri dos grilos e dos bichos da noite me fazia arrepiar. Qualquer barulho eu me assustava, achando que era um fantasma, uma alma penada ou alguma coisa assim.
Foi quando eu vi a tal coisa na estrada. Uma coisa que me assustou muito. Eu fiquei gelado e arrepiei dos pés à cabeça.
-O que era pai?
-Calma menina, deixa eu completar. Deixa que eu chego lá. Vou explicar direito como aconteceu:
- Uma luz vinda do meio do mato, ia até a metade da estrada e sumia. Se movimentava para lá e para cá. Apagava e acendia. Pensei que fosse alguém com uma lanterna, mas não era. Pensei que fosse vaga-lume, mas não era. Era algo maior que se movimentava para os lados. Acendia e apagava.
-Nossa pai! Conta logo o que era.
-Calma menino. Paciência. Deixa eu...
-Continua pai.
-Eu pensei; mas agora como eu faço? Eu tenho que ir embora. Tinha que passar por ali, e enfrentar aquela alma penada que estava à minha frente. A luz vinha do mato, mas se estendia sobre a estrada, então eu tinha que passar por lá, não tinha outro caminho.
Tomei coragem e fui...
-E o que aconteceu pai?
-Espera menina.
-Desenrola pai
-Espera menino. Vocês não deixam eu completar.
-Quando cheguei bem perto percebi que o fantasma era apenas uma folha fosforescente, dessas que brilham no escuro. Quando o vento batia movia o galho da árvore até quase o meio da estrada, a folha virava mostrando o lado luminoso e se movimentava parecendo um fantasma andando na noite, quando o vento cessava a folha virava novamente e tudo depois voltava ao normal.
O meu medo é quem criou o fantasma na estrada.
Daquele dia em diante nunca mais tive medo de nada. Essas coisas não existem
Pronto completei, agora vamos dormir que já está tarde.