É TEMPO DE MORRER
Enquanto aproxima a noite se vai com rapidez a tarde. Neste ano se prestarmos atenção nos olhares dos que nos aproximam perceberemos as incertezas em cada semblante, o esperar para amanhã parece mais um lamento, nossos patrícios se despedindo em idas não retornável, o mundo está cheio de amarguras, enquanto alguns festejam comemorando oque?, outros tentando controlar suas mágoas em meio a um sentimento enlutado.
Dona Marcinha ficou sozinha, quer dizer; quase sozinha, ela e a sua bebezinha, seu esposo vitimou se, não foi ao serviço na terça feira, mas as cancelas de controlador de acesso fechou e abriu no momento certo, seu companheiro de serviço assumiu, dona Marcinha ficou viúva com poucos meses de casada, sorte, ficou sua filinha para companhia nos dias de tristeza, agora sobreviverá com a pensão do falecido, mas não há dinheiro que pague a perca de um ente querido.
Os vizinhos aos poucos foram desaparecendo, seu Jackson, senhor forte, morava bem ali na esquina, familiares todos em silêncio, mas a verdade é que senhor Jackson passou dessa para a melhor, assim como se noticiam quando é perguntado. Dentre os amigos que jogavam baralhos na sombra da árvore, senhor Jackson foi o primeiro a tomar esse caminho para o infinito, um de seus amigos pelo que se diz parece não voltar mais, está na UTI, todos dizem que é dali para cova enquanto os outros companheiros de senhor Jackson estão testando positivo, mas desenvolvendo a forma leve da doença.
Pedrão; sujeito forte, nunca foi acometido de nenhum resfriado nessa vida, contrário do senhor Mino italiano, muito inferior que o senhor Pedrão no que se diz estatura física, a estância ficou aos comandos das duas senhoras, deram entrada no setor de recuperado, os dois amigos, tanto Pedrão como senhor Mino, com uma diferença, Pedro entrou ontem à tardinha, Mino agora a tarde, mas parece que senhor Mino vai se recuperar, contrário de Pedrão tudo indica que será mais difícil o restabelecimento da saúde, impressionante como as posições se invertem, Pedro negro forte, cheio de saúde e foi o que mais se agravou, o italiano, por mais franzino e sempre com resfriados, a infecção no senhor Mino foi a que menos intensificou, boletim médico diz que logo estará de alta.
Parece em sonho vejo um rio de correntezas fortes e arrasadoras, um rio de águas turvas onde vai consumindo todos nossos personagens do dia a dia. Esse mesmo rio levou a formosura da balconista da lojinha, o bairro perdeu todo o brilhantismo daquela loira linda que nunca deixou de cumprimentar um amigo por mais simplório que seja, foi levada pelas corredeiras desse rio sanguinolento, dona Manuela, embarcou em uma ambulância barulhenta, senti no meu peito que aquele soar da Cirene dizia do fim daquela amada pessoa, meus ouvidos entendia aqueles gritos como os últimos lamentos... Ela se dizia Cartomante, lógico que ela não adivinhava coisa nenhuma, mas não deixava de ser uma personagem importante desse bairro, sempre convidava as pessoas par tomar de seu café, dizia ser coado na hora, o aroma exalou para sempre, a fumaça subiu para os altos e obliterou-se entre as nuvens e esse céu divino e azul anil, dona Manuela foi sepultada em uma cova coletiva feita a lamina de trator, seus mais chegados e parentes assistiram de longe o soterramento, a terra cobriu todo o caixão de dona Manuela, eu até poucos dias estive para alerta-la que trocasse o pano do coador para melhorar o sabor... daquele líquido negro e adorável, mas não deu tempo fiquei devendo, as águas caudalosas do rio da morte veio tomar de suas seivas vitais, os seres invisíveis se apoderaram de seus órgãos, mas porém para o consolo, dona Manuela ainda pode perceber alguns anjos de branco, indicava o caminho de paz que haverá de seguir.
Adeus dona Manuela, que deus te conforte.
Essas ondas impetuosas que abduziram dona Manuela, Pedro, o marido de dona Marcinha, o jogador de cartas de baralhos; senhor Jackson, sofreram pelo sopro do vírus, as vezes se parece com o rio que afogam todos em suas águas, em outro momento se assemelham com uma tempestade voraz, os animais do senhor Pedro ainda continua a se alimentar das pastagens, logo senhor Mino estará de volta a pastorar essas res de raça holandesa enchendo os tambores vasilhames branco leite, Marcinha ainda vai arrumar o segundo casamento... um bom marido e um bom pai para cuidar da vida de sua bebezinha, a vida continua.
Hoje passei em frente à casa antiga morada de dona Manuela, senti no peito um desconforto, admirei como é tão grande a dor da perca, essa pandemia está levando para longe nossos amigos, vizinhos, companheiro de trabalho, uns se vão outros vens, outros virão para preencher o espaço vazio, as portas estavam abertas, alguém substituía dona Manuela, fui conferir de perto se algum aproveitador que que poderia ter entrado para alguma atitude ilícita, mas quando me aproximei percebi.... a pessoa que ocupava aquele lar e ocupará para sempre é a sobrinha da dona Manuela, quando me aproximei cumprimentei- a com rápidas palavras enquanto pretendia sair, grande foi minha surpresa quando a moça pegou a minha mão e logo começou a olhar o desenho de meus dedos, depois lendo minhas mãos como uma cigana, me disse palavras elogiosas e convidou para que voltasse, disse que em breve estará construindo um quiosque nesse local, um pequeno barzinho para atender a todos, de hoje em diante só alegria, vamos esquecer as coisas do passado, dona Manuela ficou só na lembrança.
Muitos amanheceres, tardes e noites vieram pintar a paisagem de negro, já está perto de acontecer a boa nova mais esperada, talvez amanhã, ou quem sabe um surgimento da mais recente novidade, é que o povo dessa cidadezinha acordaram com uma faixa publicitária esteada em frente da pracinha, os dizeres deixaram todos admirados “Não deixe de se vacinar hoje a partir do meio dia nesse local”... chega desse rio bravio devorar nossos amigos e parentes, de agora em diante muita esperança e vida nova.
Antherport/11/01/21/*