MEMÓRIAS DO COVID 19 – capítulo 4
 

       Amanhã completo nove meses de confinamento. Comecei a me lamentar e a ficar deprimida, mas daí pensei: Estou deitada na minha cama queen size, assistindo o Netflix na minha enorme TV, enquanto que, neste exato momento, alguma outra mulher da minha idade, também confinada, está em um quarto esquálido, que compartilha com mais dois adultos e duas crianças. Ela está com fome, porque a janta era pouca e as crianças precisam da comida mais do que ela. E os adultos também. Afinal, ela só é um estorvo.
        Agora, só não sou aquela mulher porque meus filhos cuidam de mim, mesmo os de longe. Eu sou um gasto, sim, mas não um estorvo. Quando fiquei muito doente, lá por setembro/outubro, todos eles me mandaram a mesma mensagem: Mom, fica boa logo, porque seus netos precisam de sua vovó. Isso me fez obedecer à risca as ordens alimentares da médica.
        Então: qual razão eu teria para reclamar do meu confinamento? Ok, não tenho ninguém com quem conversar a não ser no fone – mas não quero encher o saco de ninguém telefonando a toda hora só para ter o que fazer.
        Foi a essa altura que descobri um bom passatempo: montar quebra-cabeças. Já fiz sete desde o início do mês passado. Dois eram de 1.500 peças e o resto de mil. Os olhos e as costas reclamaram, mas foi muito bom. Foi – não tenho como conseguir mais quebra-cabeças.
       Uma de minhas filhas está também sozinha, e com dois filhos, lá nos States. Como as crianças estão confinadas e ela precisa trabalhar, teve a maravilhosa ideia de me convidar e comprar minhas passagens. Eu ficaria do dez de dezembro até metade de janeiro.
        Na metade de novembro, as estatísticas do Covid, tanto no Brasil quanto lá nos States, subiram ainda mais alto do que na primeira onda da pandemia. Pelo tempo em que fui para o aeroporto, as fronteiras estavam fechadas. Aqui e lá. Meu filho, que me acompanhara até o aeroporto, pensou que eu ia entrar em parafuso devido à situação, e ficou espantado quando eu só disse, “Bom, vamos voltar pra casa. Pelo menos trouxe minhas malas para passear!”

       A coisa é que, além das diversas viagens de Uber para ir a algum médico, e idas ao supermercado e drogaria (que ficam a um bloco do meu apartamento),  aquela viagem até o aeroporto era a minha primeira vista do mundo “lá fora”. Aquilo para mim era um aventura. “Se não tem nenhuma desventura, não é uma aventura”, nos ensinam a literatura e os filmes.
       Então vou encarar as desventuras de agora como parte da grande aventura de sobreviver aqui em São Paulo, a cidade mais atacada pelo Covid do mundo inteiro. Isto dá um bom filme!
 

 

Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 21/12/2020
Reeditado em 21/07/2022
Código do texto: T7140860
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