A Praça das Esculturas
Chegando a Altinópolis, você vê o anúncio: “O melhor café do Brasil”. A cidade é agradável, simpática, tem belas, belíssimas cachoeiras. Mas do que o povo se orgulha mesmo é da Praça das Esculturas. Dizem que só há mais duas como essa no mundo: uma em Gênova, outra em Israel. O escultor é Bassano Vaccarini, um italiano que se apaixonou por nossa terra, tanto que se naturalizou brasileiro e de Altinópolis – dizem com orgulho.
É fácil chegar à praça, a cidade é muito pequena. Ao chegar, uma primeira decepção: um lugar abandonado, a terra vermelha – está uma seca dos diabos – cobrindo os bancos, as flores, poucas, e as estátuas. As muitas estátuas, grandiosas, impressionantes. Impressionam, emocionam, pelo tamanho e pela quantidade.
Ao fundo, o casario simples, irregular, com muito verde, alegre, quase feliz, da cidadezinha humilde. Aqui, na praça, nenhuma humildade: são famílias de imigrantes, são colonizadores, personagens históricos, todos grandes, muito grandes. Italianos. Você sente que são italianos. O porte, a roupa, o olhar, os lábios, parece que vão falar, e falar um dialeto cantante, gritado às vezes, talvez o trentino, mais suave, ou o bruto bergamasco.
Parece que estão vivos. Sim, isso é o interessante: estão vivos. São gente como a gente, embora de pedra – grandes blocos de cimento, meio irregulares, rudes, toscos, mas humanos. Gente como a gente. Famílias, o homem gostava da família. O marido, a mulher, as crianças. Muitas crianças. Com uma bola na mão, plantando bananeira, metendo o dedo no olho do irmão menor. O lado lúdico e encrenqueiro das crianças.
As crianças italianas têm que ser encrenqueiras. E brincalhonas. Como as mulheres têm que ser, além de encrenqueiras, sensuais. A sensualidade domina. Mesmo vestidas, o peito sobressai, os seios grandes, provocantes. Mesmo algum homem, a cara e as pernas de homem, meio abrutalhado, ah, algum homem tem seios muito femininos. O Bassano gostava de seios. Safado.
Muitas mulheres têm os seios à mostra, nus, gostosos como Deus os fez. Deus fez a beleza dos seios da mulher, fez tão belos assim, só pode ter feito para serem mostrados. A beleza é para se degustar, é para lamber com os olhos, é para lamber tanto como se estivesse lambendo a mulher de carne e osso. Digo, de carne e leite. Quem sabe de mel, Deus meu. Já imaginou essa mulherada de verdade? Pois elas são gostosas de verdade, exclama o Bassano, sempre superlativo. Como se lambesse os beiços de prazer.
Dois personagens enfiam-se por uma parede a dentro. Nenhuma parede é empecilho para separar os homens. Os braços atravessam a parede, as cabeças atravessam a parede, as almas atravessam a parede. São personagens muito humanos.
A jovem no meio do canteiro, espreguiça-se, confortável, ao sol. Está suja de terra vermelha, mas ninguém liga. É bela. É sensual. Atrai, inspira. Dá satisfação de viver. A vida é para ser aproveitada, é para ser sugada até o fundo, como num ato de amor, como a abelha suga o mel.
Um cavaleiro se alonga para a frente do cavalo, que se torna pequeno diante da forma esticada do homem. São exageradas as figuras humanas de Bassano. E se tocam. Se são sensuais, devem mostrar que provam dessa sensualidade. Os homens e as mulheres e as crianças de Bassano se tocam. Querem um sentir o outro. Estar na pele do outro. No corpo do outro.
Um grande bloco de mulheres conversando, de pais e mães e filhos, e trabalhadores, e e esportistas, e artistas, vivos, você pode ter a certeza, é o que você imagina, o que você sente, que eles estão vivos ali à sua frente. E à frente deles todos, o artista maior, o poeta, e abaixo dele, reverenciando-o, a sua amada. É Dante que chegou ao Paraíso pelas mãos de Beatriz. É Bassano que encontrou o seu Paraíso em Altinópolis.