Sensatez no vazio cósmico: vento sobre a nossa face

A imagem pode conter: céu e noite
Astronauta Bruce McCandeless flutua na escuridão cósmica, a 98 metros do ônibus espacial Challenger (1984); ao fundo, o azul do Planeta Terra
 

Por Leont Etiel
 
Terminado o jantar, os beduínos eram vistos batucando à volta de uma fogueira. Imenso deserto, onde eles, os beduínos, se sentem em casa. Badawī derivado de bādiyah: pessoas do deserto, beduínos.
Ao passo que as chamas da fogueira diminuíam, reduzindo a claridade, Ravi Sharma elevou os olhos ao alto mirando as estrelas, sentindo algo como a curva da redondeza do mundo, o côncavo invertido do céu. De imediato, ele se viu acompanhado de passagens do ‘O Que é Maturidade Espiritual’, do poeta persa Jalal ad-Din Muhammad Rumi:
O que é veneno?
- Qualquer coisa além do que precisamos é veneno. Pode ser poder, preguiça, comida, ego, ambição, medo, raiva, ou o que for.
O que é o medo?
- Não aceitação da incerteza. Se aceitamos a incerteza, ela se torna aventura.
O que é a inveja?
- Não aceitação do bem no outro. Se aceitamos o bem no outro, torna-se inspiração.
O que é raiva?
- Não aceitação do que está além do nosso controle. Se aceitamos, torna-se tolerância.
O que é maturidade espiritual?
É quando tu aceitas as pessoas como elas são.
É quando tu aprendes a "deixar ir".
É quando tu és capaz de não teres "expectativas" em um relacionamento, e te doas pelo bem de te doar.
É quando tu entendes que o que tu fazes, tu fazes para a tua própria paz.
É quando tu paras de provar ao mundo a tua inteligência.
É quando tu não buscas aprovação dos outros.
É quando tu paras de te comparar com os outros.
É quando tu estás em paz contigo mesmo.
Maturidade espiritual é quando tu és capaz de distinguir entre "precisar" e "querer", e és capaz de deixares ir o teu querer.
E por último, mas mais significativo! Tu ganhas maturidade espiritual quando tu paras de anexar "felicidade" em coisas materiais!
Ravi Sharma se pôs a refletir sobre as palavras de Rumi enquanto deambulava pelo enigmático deserto escuro. Sentia a areia fina como que a fugir aos seus pés, enquanto observava as estrelas povoarem o céu com uma totalidade infinita. Imerso na escuridão absoluta, sem sinais de viventes, assim encontrava-se com o universo. Elevação perante o desconhecido e energia para viver o conhecido. Transcendência sóbria. Deserto, silêncio e estrelas. A alma se banha e se assenhora no vácuo cósmico com o vento que sopra sobre a nossa face.
Detendo-se nesse pensamento, Ravi fez um movimento de inflexão em sua transcendência sóbria. Sentiu que era o momento de regressar ao local em que se encontrava anteriormente, e assim talvez ainda pudesse ver algum beduíno à volta da fogueira a fazer batuque. Mas isso não era o principal. O fundamental da noite foi dado pelo percurso que fez, sob os ecos das palavras de Rumi e da silenciosa vastidão celeste. Teve a consciência do ínfimo que é o ser humano diante do universo, mas, ao mesmo tempo, sentiu também que existir significa viver com altivez.
De si para si, repetindo a astrofísica saganiana, Ravi murmurou que a terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Nossas atitudes, nossa pretensa importância, vaidades e supostas verdades arrogantes de líderes religiosos que comercializam a fé são postas em causa quando consideramos que a terra é apenas um ‘pálido ponto azul’. Um ponto solitário na grande escuridão cósmica circundante. Em meio a essa imensidão, falta o ser humano perceber que não há indício de que virá ajuda de outro mundo para lhe salvar dele próprio. Regressando ao lugar em que inicialmente se encontrava, Ravi Sharma observou que a fogueira estava em fogo brando, enquanto alguns beduínos repetiam o seu provérbio árabe preferido: o hábito é o sexto sentido que domina os outros cinco.