"DELENDA EST GRAMADO"?

(Guerras púnicas - Roma contra Carthago, século II a.C.).

O sentido, aqui, toma a direção do “novo” contra o “velho”. Devo repetir que conheci Gramado como pequeno vilarejo encravado na serra gaúcha, lá por meados dos anos sessenta, não muitos anos depois da criação do município, em 1954. Abrigava um hotel agradável denominado Gramado Parque Hotel junto ao Lago Joaquina Bier, na Rua Leopoldo Rosenfeld, na entrada da cidade, com mais de vinte chalés em que alguns afortunados desfrutavam sua lua de mel e onde hoje acontece o espetáculo operístico do NATAL LUZ. Esse antigo hotel era realmente apetecível, mas só me tornei seu hóspede muitos anos depois, praticamente ao final de sua carreira. Gramado não luzia como hoje, mas a cidade e região tinham imenso charme e prestígio. Lembro-me das paisagens das hortênsias, azaléias e araucárias, do Lago Negro, construído pela mão do homem, e do frio enregelante; depois, lá pela década de 70, do antigo Café da Torre (mais precisamente, em 1976), ao lado da Malharia Lucirene, com seus pantagruélicos cafés coloniais, onde serviam como bebida chocolate quente, café com leite, chá, suco de uva, graspa, cerveja e vinho colonial, "tudo junto incluído". Lembranças de muitas outras coisas boas, para comer, babar ou sonhar, do fundido de queijo à parafernália de chocolates, inclusive na cidade vizinha, Canela, tão bela quanto, onde muito frequentei o Hotel Laje de Pedra, desde sua fundação. Era um recanto europeu, ítalo-germânico e português, em solo gaúcho, a 830 metros de altura, florestas, montanhas e vales, com um clima encantador para país tropical em boa parte de seu território. Com tantas belezas e atrativos diversos, a cidade cresceu, os empreendedores cumpriram seu papel, o turismo “bombou” e o que era apenas pitoresco e aprazível passou a ser mega evento e objeto de consumo do lazer regional, nacional e internacional. A quantidade de hotéis extravasou de modo impressionante; o movimento de automóveis quintuplicou; o número de restaurantes, lojas, centros de eventos e diversão alcançou patamares inimagináveis no passado. Naturalmente também os preços. Sim, é o progresso: o capitalismo que se expande e gera riquezas; os novos tempos. Mas tornar-se um dos principais centros turísticos do país tem alto custo. Quando o poder público não consegue ofertar infra-estrutura para tanto fluxo e, ao contrário, verga-se aos interesses econômicos empreendedores de outros estados ou países, acentuando o descompasso, percebe-se iminente conflito de valores e mal-estar geral. Coisas do imediatismo. A paisagem vai definhando: praças substituem gramado, arbustos, árvores e flores por cimento e pedras; vias públicas não dão vazão ao tráfego voraz, esgotos não suportam a ocupação excessiva das construções. Hora de parar e refletir. É imperativo um equilíbrio entre o preservacionismo e o desenvolvimentismo, entre aquilo que foi e o que poderá ficar. “Delenda est” GRAMADO? Sem um planejamento mais efetivo e racional, pode até acontecer ao tilintar hipnótico das moedas. Aquele hotel bucólico referido acima, hoje é prédio municipal; o lago Joaquina Bier está perdendo o encanto, com a substituição de grama, arbustos, árvores e flores por cimento, sem qualquer encantamento. A ópera do Natal Luz, por razões comerciais, gerou um circo monstruoso de ferro, tábuas, máquinas e lona, comprometendo também o entorno. Linda cidade, povo obreiro e valoroso, moradores apaixonados, uma tradição germânica e italiana de causar inveja, mas pouca sensibilidade para com a preservação ambiental e mesmo urbana. Vale o mesmo para as belezas das cercanias. Eu gosto demais da cidade e região, vou frequentar sempre, com prazer, mas adoraria que os netos também desfrutassem de igual privilégio.