O NEGO D’ÁGUA
O NEGO D’ÁGUA
*Rangel Alves da Costa
Era noite de escuridão retinta em Curralinho. Abeirando o rio, as águas pareciam recobertas de papel laminado. Um silêncio medonho, pois naquela mudez havia o temor de os mistérios e as lendas tantas se tornarem reais. E eu estava sozinho.
Contavam histórias mirabolantes de dentro do rio e de sues arredores. Diziam dos barcos defuntos que passavam ao som de sentinelas e com velas acesas. Contavam da mulher triste que do nada aparecia chorosa e com buquê de flores à mão. Lançava rosas nas águas e depois novamente desaparecia. Seu pescador havia sumido numa noite de solitária pescaria. Afirmavam de peixes monstros que emergiam das águas e se transformavam em estranha gente. Sem falar em histórias de carrancas, das pedras gemendo, do vapor fantasma que aportava naqueles beirais. Mas nada disso eu tinha medo.
Medo mesmo eu só tinha do Nego D’água. Não de alguma maldade que ele pudesse fazer, mas tão somente das peripécias de arrepiar que eram passadas de boca em boca. Naquela noite, porém, encontrei um. Imagino que encontrei, pois não o vi, dele não me aproximei por querer nem sei se é neguinho mesmo ou qual feição ele tem.
Dizem que é como um meninote, baixinho, troncudo, de pele escurecida, com dentes de peixe. Mas que é virado na gota serena. Aparece do nada. De repente chega pra assustar, faz o mundo revirar, e depois começa a dar gargalhadas de as águas estremecerem. Mas como eu encontrei o Nego D’água?
Eu estava descontraidamente sentado na beira do rio quando ouvi um batim, ou seja, como se alguém tivesse se jogado do alto de uma pedra em direção às águas. No instante que ouvi, rapidamente olhei para uma pedra grande mais adiante e lá não avistei ninguém. Contudo, as águas se agitavam em ondas ao redor. A pessoa deve ter mergulhado, pensei. Um segundo após, e para meu espanto, no alto da pedra, em meio à escuridão enluarada, avistei uma figura estranha. Era o neguinho.
No mesmo instante ele se lançou nas águas e, quase no mesmo instante, já apareceu soltando gargalhada em minhas costas. Quando me virei, nada mais encontrei, pois o neguinho já dava outro batim de cima da pedra. Então achei melhor não mais temer, aceitar toda aquela estranheza como algo normal. Assim que ele percebeu que eu não mais me importava com suas medonhices, logo sentou na pedra, baixou a cabeça, e entristecido começou a chorar.
“Chore não, neguinho!”. Eu gritei. Mas suas lágrimas aumentaram e, se misturando às águas do rio, avançaram até os meus pés. Olhei para baixo e avistei, no espelho encharcado de lágrimas, a sua feição. E também ouvi sua voz, dizendo:
“Não diga a ninguém que sou frágil e também choro. Na mente dos outros, eu só existo porque sou filho das entranhas do rio e posso amedrontar. Mas, como o rio e a própria natureza, vou definhando, enfraquecendo, perdendo minha força de existência. E por isso eu entristeço e choro!”.
Escritor
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