O ANO QUE NÃO ACONTECEU

Quando, ainda garoto, residia em Encantado, com muitas ruas de chão batido, lembro de amigos que diziam aos pais “hoje nem preciso tomar banho, não peguei pó”. Ou chovera muito e não houvera futebol nas “canchas” ou fizera muito frio e a solução fora ficar mais protegido e bem menos ativo. Pois é, neste ano, a grande maioria não “pegou pó” e nem desgastou a máquina: foi sujeira pouca e uma débil “fadiga dos metais”. Como tantos amigos e amigas, mantenho-me limpinho e até mais fortalecido do que em anos anteriores. Ao menos por enquanto, nunca se sabe. Debaixo do mesmo céu, chegando dezembro, não haverá aniversário, com mudança de idade. Ficar mais velho como, se o ano passou praticamente em branco? Afinal, o motor rodou minimamente; o calendário, no caso, torna-se enganação, mera folha virada. Quanta coisa estamos deixando de fazer? Esta é uma quarentena muito longa, que funciona como estado de animação suspensa, de hibernação. Até me pergunto se não poderia abater ao menos um dos anos realmente vividos até princípios de março. Seria algo eventualmente justo, tantos foram os cuidados sanitários posteriores. Cumprimento os aniversariantes por protocolo, mas, na verdade, o tempo do existir humano deu um giro de quase 360°. A pandemia é horrorosa, não se discute, mas quem ainda se preserva íntegro, aniversário não comete. Até agora, o ano não aconteceu.