O GOLPE DO BILHETE PREMIADO

É muito antigo o golpe do bilhete premiado, mas muita gente ingênua ainda continua a mercê. Ingênua, mas com o bichinho da ganância. Como as pessoas ainda marcham em golpes manjados! O brasileiro é de boa-fé - se for possível aceitá-la junto a cupidez e ao insopitável desejo de escalar degraus econômicos de modo fácil. Não é por nada que ainda vigoram o golpe clássico da “pirâmide financeira”, das vendas baratas e frias de bens, dos aluguéis de verão na praia, pela internet, de mansões com piscina a incríveis preços de liquidação, dos sorteios e prêmios fajutos, mediante pagamentos iniciais de taxas e outras artimanhas que mexem fundo nas vulnerabilidades do homem. Listados pelo Papa Gregório Primeiro, depois, Tomás de Aquino e Dante Alighieri, são espadas sobre nossas cabeças e, no caso, a AVAREZA mostra a sua cara nada santa. Cabe rememorar uma história. Minha falecida mãe, então na faixa dos oitenta anos, acabou parcialmente embrulhada neste espetáculo teatral clássico do golpe do bilhete premiado. Penalizou-se, na rua, de um cidadão aparentemente humilde, desesperado, inconsolável: havia ganhado na loteria, mas alegava que havia sido assaltado e não tinha consigo a identidade ou coisa do gênero e não conseguia habilitar-se para receber o expressivo prêmio em certa Casa Lotérica, perto de onde ela residia. Enquanto a "Velha" se preocupava em consolar o indivíduo e procurar solução, apareceu outro cidadão, bem vestido e bem falante, acompanhado de uma moça, também de bom nível. Depois de alguns minutos de confabulações, acharam interessante o que propusera o “afortunado sem sorte”, após ter sido "confirmado" que se tratava de bilhete premiado junto à Loteria: o cidadão que aparecera de terno e gravata, acabara aceitando comprar do pobre coitado o bilhete com substancialíssimo desconto. Algo assim. Só que teriam de passar na residência do bom samaritano para apanhar o dinheiro, que teria de ser ao vivo e a cores. Minha mãe achou que a solução não era tão catastrófica, em face da reação que presenciou e acabou, por insistente convite, acompanhando o pessoal e embarcando no veículo do engravatado. Seu escopo era o de emprestar todo apoio moral. No final, a coisa ficou mais ou menos assim: o engravatado não tinha realmente tudo o que “pensara” possuir em grana no seu apartamento e tentou convencer minha velha mãe a associar-se à magnífica empreitada, concorrendo com boa parte do dinheiro, pois o lucro de ambos seria extraordinário. Foi aí que, percebendo interesse material, a mãe reagiu radicalmente, indignada, e disse que não lhe interessava dinheiro, pois só queria ajudar o rapaz sofredor. O de gravata argumentou com perícia, dizendo que ela pensasse, então, nos filhos, pois sempre há um ou dois que precisam de reforço de verba. A velha, com sua personalidade forte, respondeu: “Ora, não me amola, não estou satisfeita e vou cair fora desta confusão, se algum filho meu precisar de dinheiro, que se vire”. E conseguiu liberar-se, abandonando o carro em que estava, angustiada por haver acreditado inicialmente na lorota. Só não caiu porque jamais fora gananciosa, por si ou pela prole. Pessoalmente, creio que não seria vítima de um lance destes, pois não teria a menor paciência para acompanhar os volteios da opereta: possivelmente seja pouco prestativo, quer dizer, pouco brasileiro para eventos populares deste naipe. Acho que a gente já tem muita tarefa pessoal de vulto para vencer no dia a dia. Pensava que a velha também fosse “distante”, “na sua”, mas me surpreendeu positivamente, aliás, duplamente, considerando a disposição inicial de ajudar e o modo firme como vigorosamente fez baixarem as cortinas no final. Mas, não adianta muito, os golpes prosseguem, arrefecidos agora pela pandemia. Voltarão com tudo.