Um homem, cujo nome era Alípio

Talvez, não seja do conhecimento de todos, no entanto, quando eu tinha apenas noventa dias de nascido, meu progenitor veio a falecer. Foi uma morte muito trágica. No dia da sua morte, ele estava muito feliz. Afinal de contas, era o dia do seu casamento. As bodas na igreja, a sua reconciliação conjugal, era o que mais queria.  Ele tinha acabado de visitar a sua mãe. Estava retornando para a sua casa, montado em sua mula, um animal muito dócil, quando de repente, ela encasquetou de comer uma moita de capim. Ele estava apressado, ao puxar o arreio, a mula veio a empinar-se, ele desequilibrado, cai com a cabeça num cascalho, e para piorar a situação, quando descia o animal desfechou-lhe um coice, expelindo a parte interna do seu crânio.
Com isso, podem observar, que tive muito pouca oportunidade, de invocar aquele ser, como o meu pai. Depois de dois anos, minha mãe encerrou sua viuvez, casando-se com o Alípio. Tem um famoso ditado que diz o seguinte: Pai não é aquele que dar à luz, e sim aquele que cria. E baseado nessa asserção, reivindiquei o Alípio, como o meu pai
Um dos motivos que me levou a considera-lo como pai, era que ele não fazia acepção de tratamentos. Do primeiro casamento minha mãe teve dois filhos e do segundo teve três. A correção era igual para os enteados como para os seus filhos.
Outro fator que colaborou bastante, foi o fato, que nem os enteados e nem os filhos o chamavam de pai, e sim de Bibipe. Quando ele casou, ele trabalhava na fazenda do Velho Brás, lá em Vereda mesmo, extremo sul da Bahia.
Ele quase sempre, chegava de manhãzinha, num Jeep e buzinando. Olha gente, para que vocês não confundam, não era o Jeep Renegade, e sim o Wilys. Eu e o Jorge ao ouvir a buzina, dizíamos: Bibipe chegou! E saíamos correndo para recebê-lo. Assim, os outros irmãos foram nascendo, e já ia assimilando o Bibipe. Essa é a verdadeira origem de cujo epíteto.
Alguns momentos que eu passei com ele, foram bem marcantes, alistarei alguns, rs.
O lance da bisnaga foi um deles. Quando eu era criancinha, comedor de titica, eu era faminto por pão. Estávamos tomando café, e quando acabou o pão, comecei a chorar querendo mais. O Bibipe achando que aquilo era gula, disse que não daria mais pão. Eu insastifeito, continuei chorando, fazendo pirraça. Ele cansado do choro, pegou uma bisnaga de pão que devia ter uns cinquenta centímetros, e mandou eu comer tudinho. Enquanto eu comia, ele ficou com a correia na mão, me obrigando a comer toda bisnaga. Eu acabei entalado, de tanto comer pão, mas comi tudo, com medo do corrião, rs,
Coitadinho do Bibipe, se fosse hoje, com certeza o conselho tutelar iria querer trancafiá-lo numa cadeia, rs. Sabe o que eu acho interessante, apesar que em alguns momentos, achava ele muito rígido na correção. No entanto, hora nenhuma, ficava com rancor no meu coração. Sempre procurei pensar dessa forma, se apanhei, com certeza, devo ter merecido, rs.
Um belo dia, o meu irmão mais velho, saiu bem cedinho de casa, falando que ia caçar passarinho. O Bibipe, já estava incomodado com o sumiço do Jorge. Quando foi dez horas, ele mandou eu ir buscar o mano. Com muito custo, encontrei ele, na chácara dos Bahia, afanando umas goiabinhas, rs. Fui logo tratando de dar-lhe o recado: Bibipe mandou dizer que se você não for embora agora, quando chegar em casa vai levar uma surra. O Jorge sempre foi convincente, foi logo dizendo: Vamos ficar mais um pouco Van, ele fala que vai dar surra, só para que fiquemos com medo. O bobão aqui, caiu na conversa dele e resolveu ficar mais um tempo. O velho devia estar muito bravo, porque enviara o meu irmão mais novo. O outro caiu também na conversa, e resolveu pendurar na goiabeira. O que era doce se acabou, o velho Bahia resolveu dar as caras, com uma espingarda de chumbinho. Somente aí, que já deveria ser umas treze horas, que fomos lembrar da intimação do Bibipe. Com certeza, boa coisa não esperávamos. Quando chegamos em casa, ao saber que estávamos, no quintal de outros roubando goiaba, aí que o o velho ficou mais bravo, nos conduziu para o quarto, fechou a porta para certificar que não íamos fugir, e descascou correia em nossos lombos.
Eu não sei os outros, mas eu apanhei tanto, que cheguei a urinar. Quando a sova acabou, ele mandou minha mãe aplicar água com sal para não inflamar. A surra foi maior, por causa das goiabas que foram afanadas, mesmo sendo algo tão irrisório, ele jamais iria admitir isso.
Levei o maior susto, quando fiquei sabendo da sua morte. Ele faleceu no dia 29 de outubro de 1991. Nesse dia eu estava trabalhando na companhia no horário de 07 às 15 horas. O meu supervisor, me deu a triste notícia e fui imediatamente liberado. Nessa época ele trabalhava de motorista, no coletivo, dentro da Usiminas. Era o seu último horário, iria largar o serviço 07 horas. Quando estava levando a parte diária, para o fiscal fazer o encerramento, teve um infarto fulminante. Foram os próprios amigos do serviço, que levaram ele para o Hospital Márcio Cunha. Quanta tristeza, ao chegar no hospital e ver o Bibipe, ali estirado naquela pedra de granito.
Um pouco antes do seu falecimento, ele fez-me uma visita na minha casa. Naquela data, eu residia no apartamento, situado na rua Equador, 189, no bairro Caladinho de Baixo, em Coronel Fabriciano, MG. Na cozinha, tinha uma mesa, estávamos assentados de fronte. Ofereci-lhe um suco, e de vez em quando, tanto eu como ele, olhavam os transeuntes na rua a passar. Ele estava hiper feliz, sua única filha Suely, tinha casado no mês anterior. Lembro, que num dado momento ele me disse: Sabe Gilson eu agora posso morrer. Perguntei-lhe por que? Logo ele foi dizendo: Suely casou, agora posso ir embora. Ainda lhe retruquei: está muito cedo, tem que aposentar primeiro. A impressão que o Criador já estava comunicando-lhe a sua partida.
Recentemente, depois do seu falecimento, eu ia visitar minha mãe no bairro Floresta. Era tão ruim, a cadeira que ficava em seu quarto, ao lado da janela estava vazia. Uma das distrações dele, era fumar o seu cigarrinho, sentado na janela, observando as pessoas que desciam no ponto de ônibus. Infelizmente esse vício ele tinha.
Os colegas de serviço, gostavam de chamar-lhe de Alipão. Eh triste vida, o Alipão foi embora, e até hoje deixa saudades. Esse é o homem, cujo nome era Alípio, que aprendi a considerar como Pai. Que onde ele esteja, que  o Senhor esteja velando por ti.
 

 
 
 
Simplesmente Gilson
Enviado por Simplesmente Gilson em 02/07/2020
Reeditado em 02/07/2020
Código do texto: T6993677
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