Palavra Solta – em meio aos meus

Palavra Solta – em meio aos meus

*Rangel Alves da Costa

Poderia ter anel no dedo e caneta dourada. Poderia ter cartão de visita e um olhar de distância. Poderia usar apenas sapato macio e gravata importada. Não é difícil ser mais o enfeite do que o conteúdo. Não é difícil esconder o que é para ser diferente. Até que tudo se mostre na realidade, sem ilusões, sem fingimentos, sem falsidades. A água gelada acaba e a mesa esvazia. Disso não há que duvidar. Ninguém tem tudo o tempo todo nem na quantidade que deseja ter. Um dia não encontra sequer uma moeda quando seja deseja apenas qualquer tostão. E o mais doloroso é não ter amigos, não ter palavra de alento, não ter uma mão estendida quando se deseja apenas a presença. Oh ensinamento tão verdadeiro: Vaidade das vaidades, tudo é vaidade! Desdenhar do outro é chamar para si a solidão. A soberba é castelo de areia em ventania. As máscaras caem e em seu lugar não fica face alguma: existem pessoas sem faces, sem olhos, sem sorrisos, sem nada que tenha algum proveito. Existem pessoas sem coração! Existem pessoas que abrem a porta e caminham apenas para negar a vida. Nada presta, principalmente as pessoas que prestam. Estas derramam lixeiras, arrancam flores, cospem em jardins. Estas dizem não até a si mesmas. Estas vão tecendo a vida do próximo em fios de maldade, da mentira e da falsidade. Enquanto isso, no logo ali escondido, passos e olhos que timidamente aparecem. Passos e olhos de pessoas humildes, carentes, discriminadas, mas que são e vivem de forma encantadora. Vivem para si, para o respeito, para a cordialidade. Na parede de barro apenas um retrato sagrado, descendo do prego uma fita abençoada, na mesinha um jarro de flores velhas de plástico. Um tamborete, uma moringa, um pote em cima da trempe e um alguidar. Uma vida de barro, quase. Mas que grandeza no coração, quanta humanidade no coração, quanta fé e com palavras no olhar dizendo: Eis a vida, e essa que tenho a viver, e vivo!

Escritor

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