Memórias do Covid 3
©Dalva Agne Lynch
É, sim, estou de mau humor. Com 86 dias de quarentena, já vi tudo o que é filme e seriado da Nexflix, do Telecine e outros, e cansei de reler livros que já sei de memória. Reli cada um dos mais de 80 livros de Agatha Christie, os três His Dark Materials, todos os do Neil Gaiman (exceto os comics, que não tenho), e um monte de outros, alguns dos quais tenho vergonha de mencionar, como os quatro da série Crepúsculo e todos os sete Harry Potter.
Não tenho visão para bordar, fazer tricô, crochet, costura, e tampouco posso pintar ou desenhar ou o diabo a quatro que sempre fiz.
Para piorar, engordei quatro quilos e as lindas roupas que trouxe de Berlim em novembro de 2019 não estão mais servindo. Diga-me, por que os quilos extras sempre se acumulam abaixo da cintura??? E não há um mísero shopping aberto para se comprar os essenciais que estão já caindo aos pedaços, como pijamas, moletom, camiseta de manga comprida...
Sair com os cachorros agora é uma cena de Buñel. Pegue a roupa, vá até a porta, vista-se, coloque as luvas, cate o cachorro 1 e coloque a coleira, cate o cachorro 2 e faz o mesmo, volte a catar o cachorro 1, prende as correias entre os joelhos enquanto coloca a sua máscara e o visor. Quando você está saindo, lembra que esqueceu o álcool gel. Amarra os cachorros no trinco da porta, tira os sapatos, pega o álcool, coloca os sapatos, desenreda os cachorros, e... sai. Não vou mencionar a volta, porque é um pesadelo. Eles odeiam passar álcool gel nas patas e no focinho.
O único lugar aonde vou, além da caminhada com os cachorros, é o supermercado. Tudo vai bem até que eu não encontre algum item, e tenha que perguntar. Com máscara e visor na cara? Até que alguém me entenda, já desisti do item. Ou ele está em falta.
A comédia – porque agora já é comédia – continua, quando preciso catar, de luvas cirúrgicas, o cartão. E daí digitar a senha. É nessas horas que me maravilho do pessoal da Saúde, que consegue fazer tudo de luvas e visor, mesmo em tempos de não-covid.
No caixa eletrônico, é preciso catar o álcool gel, tirar dois dedos da luva, fazer o reconhecimento digital, pegar o dinheiro, pegar o álcool gel, limpar o dinheiro, daí limpar os dois dedos e recolocar a luva.
Quando chego em casa, depois de passar álcool gel nas rodas do carrinho, deixo o infeliz à porta, arranco o visor, as luvas e a máscara, a roupa, as meias e os sapatos, e corro pra cama com o moletom embaixo do braço. Quando me visto, já estou na cama, praticamente dormindo.
Nunca, mas nunca mais mesmo, vou reclamar outra vez do tempo que se leva para colocar e depois tirar a maquiagem.
©Dalva Agne Lynch
É, sim, estou de mau humor. Com 86 dias de quarentena, já vi tudo o que é filme e seriado da Nexflix, do Telecine e outros, e cansei de reler livros que já sei de memória. Reli cada um dos mais de 80 livros de Agatha Christie, os três His Dark Materials, todos os do Neil Gaiman (exceto os comics, que não tenho), e um monte de outros, alguns dos quais tenho vergonha de mencionar, como os quatro da série Crepúsculo e todos os sete Harry Potter.
Não tenho visão para bordar, fazer tricô, crochet, costura, e tampouco posso pintar ou desenhar ou o diabo a quatro que sempre fiz.
Para piorar, engordei quatro quilos e as lindas roupas que trouxe de Berlim em novembro de 2019 não estão mais servindo. Diga-me, por que os quilos extras sempre se acumulam abaixo da cintura??? E não há um mísero shopping aberto para se comprar os essenciais que estão já caindo aos pedaços, como pijamas, moletom, camiseta de manga comprida...
Sair com os cachorros agora é uma cena de Buñel. Pegue a roupa, vá até a porta, vista-se, coloque as luvas, cate o cachorro 1 e coloque a coleira, cate o cachorro 2 e faz o mesmo, volte a catar o cachorro 1, prende as correias entre os joelhos enquanto coloca a sua máscara e o visor. Quando você está saindo, lembra que esqueceu o álcool gel. Amarra os cachorros no trinco da porta, tira os sapatos, pega o álcool, coloca os sapatos, desenreda os cachorros, e... sai. Não vou mencionar a volta, porque é um pesadelo. Eles odeiam passar álcool gel nas patas e no focinho.
O único lugar aonde vou, além da caminhada com os cachorros, é o supermercado. Tudo vai bem até que eu não encontre algum item, e tenha que perguntar. Com máscara e visor na cara? Até que alguém me entenda, já desisti do item. Ou ele está em falta.
A comédia – porque agora já é comédia – continua, quando preciso catar, de luvas cirúrgicas, o cartão. E daí digitar a senha. É nessas horas que me maravilho do pessoal da Saúde, que consegue fazer tudo de luvas e visor, mesmo em tempos de não-covid.
No caixa eletrônico, é preciso catar o álcool gel, tirar dois dedos da luva, fazer o reconhecimento digital, pegar o dinheiro, pegar o álcool gel, limpar o dinheiro, daí limpar os dois dedos e recolocar a luva.
Quando chego em casa, depois de passar álcool gel nas rodas do carrinho, deixo o infeliz à porta, arranco o visor, as luvas e a máscara, a roupa, as meias e os sapatos, e corro pra cama com o moletom embaixo do braço. Quando me visto, já estou na cama, praticamente dormindo.
Nunca, mas nunca mais mesmo, vou reclamar outra vez do tempo que se leva para colocar e depois tirar a maquiagem.