Ler ou não ser

Ler ou não ser… Passei a ser quando aprendi a ler...

Minha mãe me contava histórias. Histórias não lidas, aquelas que apreendia pela vida ou mesmo as que inventava. Trazia na sua bagagem de vivência, tal qual numa caixa de costura, onde guardava suas agulhas, linhas, arranjos, para coser e entrelaçar sua prosa. Era semianalfabeta, catava as palavras, no sentido figurado, e dava um soletrar peculiar que as tornavam divertidas. Contava histórias como declamasse um poema. Juntávamos, a renca de filhos, ao seu redor, para ouvi-la desenrolar “causos” sobre lobsomem, mula sem cabeça, saci pererê… Mas de um jeito bem divertido. Ela sabia rimar, sabia fazer caras e bocas, gesticular com as mãos, dar tons de suspense, terror. Minha mãe tinha ritmo com as palavras. Era uma contadora de cordel, sem mesmo saber o que era isso. Seguíamos encantados com sua narrativa entusiasmada e apaixonada.

Foi assim que me encantei por histórias. Ouvido minha mãe, que para burlar os dias frios, chuvosos, tempos de vacas magras, necessidades que passávamos, conduzia-nos para um mundo de fantasias, quando nos reunia sob suas asas, no quentinho do seu abraço.

Quando me encontrei com a alfabetização, no meu primeiro ano escolar, encontrei-me também com Cecília Meireles. Ouvindo seu poema, “Ou isto ou aquilo”, reconheci naquele brincar com as palavras a sensibilidade de minha mãe. Abria-se para mim um mundo de possibilidades. Eu era isto e também aquilo. As palavras me conduziam para um mundo de questionamento e para outra perspectiva. Quis tanto sabê-lo, decifrar as letras, poder folhear as páginas de Cecília, isolar-me naquele universo. Desencandeou de mim algo que minha mãe já tinha despertado com sua habilidade de nos transportar para fora do real, quando nos narrava seus inventos, o poder de sonhar.

Passei a ser. Alfabetizada, busquei a leitura. Minha hora favorita era quando podia estar com um livro. Comecei a me entender como gente. Era como se tivesse aberto as cortinas e me apresentado um magnífico espetáculo. Adquiri a chave do segredo. Como ganhar um sexto sentido ou então ter aprimorado os outros cinco.

A leitura, praticada sempre, me deu outra ferramenta, a escrita. Quanto mais eu lia mais escrevia. Um novo mundo acenava para mim.

Citando William Kamkwamba, em sua obra, “O menino que descobriu o vento”: “Por mais estranho e solitário que fosse o mundo lá fora, os livros sempre me faziam lembrar de casa.” Sim, quando leio um poema, uma aventura, um sonho, sempre lembro onde tudo começou. No abraço quentinho de minha mãe com suas histórias que aqueciam o coração.