A revolta das conjunções

Segunda-feira, logo pelo início da manhã. O grupinho das donas Conjunções estava reunido e, pelo que se percebia mesmo a certa distância, numa calorosa conversa tendo como assunto e reclamação a dona Mas.

Do alarido, destacava-se a indignação por parte da dona GGG Entretanto.

— Só dá ela! E isso, seguramente, porque é esbelta, magrinha, tamanho P, fácil de usar! É um tal de ‘Mas daqui’, ‘Mas dali’ o texto inteiro, o livro inteiro!

Dona Todavia, pondo fogo na conversa, arrematou:

— Pois é, com ela o texto fica chaaaato, cansativo!

Dona Contudo, não querendo ficar à parte da reclamação, deu o seu pitaco:

— Eu, apesar de ser do tamanho GG, me julgo toda garbosa. Poderia muito bem aparecer mais.

— E eu, que tenho apenas duas letrinhas a mais do que ela? — interveio dona Porém, toda cheia de si.

A falação ia se prolongando e, dentre as indignadas senhoritas, já estavam na fila pra reclamar as donas Não Obstante e Apesar Disso, quando ouviu-se uma voz ainda mais indignada no fundo do grupo. Era a dona Porque!

— Um aparte! Um aparte! E o que vocês me dizem da lambisgoia da dona Pois? É outra magrinha metida! Tem livro que de cabo a rabo é cheio dela!

— É isso mesmo! — corroborou dona Por Conseguinte, secundada por dona Visto Que e Nesse Caso.

E o tumulto, já tumultuado demais, parecia que ia continuar, quando uma voz quase sobrenatural se fez ouvir:

— Calma, minhas amigas, grandes e elegantes colaboradoras dos magníficos livros e textos em geral! A dona Mas não merece tanto rancor assim, uma vez que não tem culpa alguma por ser empregada feita um tsunami redacional.

A voz pacificadora vinha de um aparteante já idoso, o senhor Dicio Nário, que desde o início da agitação redacional a tudo ouvia, pacientemente, à margem da confusão.

— O grave problema — continuou o sereno ancião — é causado por aquelas pessoas que se autointitulam escritores e até mesmo têm alguns livros publicados.

São pessoas, a maioria delas, de boa intenção e que muitas vezes querem tão somente realizar o sonho de lançar um livro. Entretanto, têm uma formação acadêmica mínima ou, mesmo em a tendo em nível superior, tiveram dificuldade ou não souberam aproveitar as lições básicas da Língua Portuguesa, desde os primeiros anos escolares.

Mais ainda: independentemente de terem alcançado estudos superiores, não mergulharam, desde as primeiras letras, na leitura dos bons livros; livros que, se lidos de forma atenta e com espírito de aprendizado, por si já são verdadeiras aulas de Português!

Terminando sua intervenção, o senhor Dicio Nário enfatizou:

— Vocês, minhas caras amigas Conjunções, não são as únicas prejudicadas no universo dos livros e dos textos em geral. Os Sinais de Pontuação também são vilipendiados pelos escritores despreparados para o seu mister. E, cá entre nós, permitam-me destacar, com um gravame muito maior, porquanto a sua utilização incorreta ocasiona a dificuldade de entendimento de um simples texto ou de um livro.

Diante da reflexão ponderada do venerável senhor, as Conjunções, agora acalmadas, como num acordo tácito olharam para um canto daquele local e se depararam com a tímida dona Mas. E imbuídas do espírito de compreensão e de solidariedade, se dirigiram até ela e a abraçaram como se abraça a uma amiga, a uma irmã!

Sergio Diniz da Costa

Publicado no Jornal Cultural ROL em 15/05/2020

http://www.jornalrol.com.br/sergio-diniz-da-costa-a-revolta-das-conjuncoes/