CARTA PARA ARLETE

Ainda te amo. Te amo tanto como quando descobri este sentimento enorme, lindo e louco, que teima em ser para sempre.

Quando te conheci, eras apenas uma criança que se apaixonara por mim.

Fui tua primeira paixão, teu príncipe e namorado.

Durante algum tempo fomos eternamente felizes: sonhávamos os mesmos sonhos, falávamos de amor, ríamos, brincávamos...

Beijamo-nos poucas vezes, porém o universo era nosso. Depois... acabou. Mas não quiseste sair da minha vida, cismaste em ficar nos meus sonhos, absolutamente como quando te conheci: criança, mas também mulher; loira, olhos grandes e verdes, lábios sensuais, sorriso como um sol de primavera, voz terna e chorosa. De uma sinceridade inocente e cruel. Linda! Assim eras tu.

Acabou, mas não foste embora. Ficaste em meus sonhos. Durante anos foi assim, todas as noites vinhas ter comigo. Depois foste rareando tuas visitas. Talvez, em razão do esforço que fiz para esquecer-te, já que tua interferência em minha vida ultrapassava os limites do racional e da dor. No entanto, vez por outra aparecias, teimosa. Chegavas de repente e ficavas, para não permitir que me esquecesse nem sequer do mais leve de teus traços.

Não obstante o tempo corria e uma noite, depois de um mês sem ver-te, encontramo-nos e eu não conseguia vislumbrar teu semblante: uma sombra, quase. Mas eu sabia que eras tu, porque sentia isso pela energia que irradiavas, a mesma que tinha o poder de inundar meu espírito todas às vezes em que estávamos juntos. Tu eras parte de mim mesmo. Assim ficamos, mudos por alguns instantes, mas com as almas craseadas, gemendo nos mesmos ais, extasiados! Depois tuas formas começaram a se firmar: Meu Deus! Uma velha!? Mas de uma velhice serena, de olhar profundo e doce, olhar de pessoa resignada, que esperou sempre. Tinhas a aparência tranquila da eternidade.

Meu dia seguinte foi amargo, todo cheio de ti, porém. Cheio de teu perfume, de tua meiguice, de tuas lembranças. Tantas e doces lembranças...

Noite passada voltei a ver-te: estavas jovem, outra vez, mas diferente. Como única expressão, apenas um tímido e leve sorriso. Uma indiferença doída. Teus cabelos não eram mais loiros. Não pude ver a cor de Teus olhos. Não disseste que me amavas.

Acordei-me transtornado. Não consigo tirar-te do pensamento. Tenho nas mãos um livro aberto. Há uma hora leio mecanicamente a primeira frase. Penso em ti, no sonho, na vida inteira que te amei. Por que terás mudado tanto? Estarás, de fato, indo para sempre? Não posso conceber essa ideia que me tortura, apesar de tudo o que já fiz para entender que preciso soltar-me das amarras do passado.

Sei que não voltarei a ter-te jamais, todavia perder-te de meus sonhos? E tu foges, lenta e inexoravelmente, como a noite que cai, à medida que o sol se põe.

M C Sobrinho

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 11/05/2020
Reeditado em 05/11/2023
Código do texto: T6944464
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