DAS ASSOMBRAÇÕES DO CANGAÇO – A CABEÇA PROCURANDO O CORPO

DAS ASSOMBRAÇÕES DO CANGAÇO – A CABEÇA PROCURANDO O CORPO

*Rangel Alves da Costa

Eis uma história que já se alquebrou de velhice, mas que de vez em quando ainda sai assombrando de boca em boca. E sempre contada durante o dia, pois muita gente tem medo de ouvi-la depois do anoitecer.

Uma história envolvendo um cangaceiro que foi morto nas matarias duma fazenda nos arredores de Poço Redondo. Depois de morto, contudo, sua cabeça, na altura do pescoço, foi cortada a punhal e levada para outras bandas como troféu, e o restante do corpo enterrado ali mesmo, um pouco mais adiante do local da morte.

Pois bem. A separação da cabeça do restante do corpo passou a causar estranhezas nunca vistas antes nos sertões poço-redondenses. Os mais velhos contavam histórias de arrepiar acerca desse episódio, mas não pelo fato da separação dos membros, mas pelo que isso provocaria depois.

As noites pela fazenda, nos arredores e por toda aquela região, passaram a ser mais temidas que tudo. Como o corpo sem cabeça estava enterrado no meio do mato, debaixo dum umbuzeiro, então dizem que o que mais se via era, no meio da noite, uma cabeça procurando um corpo.

Nas fazendas e pequenas propriedades, em noite fechada, abrir a porta e sair era temeroso demais. Certa feita, um sertanejo foi fumar um cigarrinho de palha na malhada e de repente viu, bem ao lado, suspensa no ar, a cabeça horrenda perguntando onde era a cova de seu corpo.

Arrepiou-se todinho, mijou na calça, sentiu-se sem forças para correr, mas conseguiu sair em disparada. Mas o medo era tanto que errou o caminho. Ao invés de correr pra dentro de casa, o que fez foi sair em correria por uma vereda, e logo em direção ao lugar da cova.

Quanto mais corria mais sentia a cabeça atrás, perguntando e perguntando, “onde tá minha cova”. Sem querer, o cabra foi tropeçar bem em cima da cova. Tropeçou e caiu. Antes de desmaiar ainda ouviu: “agora me enterre!”.

Somente ao alvorecer recobrou a consciência, pensou no que havia acontecido, olhou onde estava, e reconhecendo a cova deu um pulo que quase pega umbu com a boca. Olhou para ver se a cabeça estava por ali, mas nada viu. Chegando a casa, contou a história e ninguém acreditou.

Naquela mesma noite olhou pela fresta e viu a cabeça, Não só ele, mas muita gente, na mesma noite, via essa cabeça procurando o corpo. “Onde tá minha cova?”. Era o que se ouvia antes de se mijar de medo.

Escritor

blograngel-sertao.blogspot.com