O QUE QUE EU SOU? O QUE QUE EU SOU? SOIS REI!
O QUE QUE EU SOU? O QUE QUE EU SOU? SOIS REI! *
Não que o passado tenha sido muito diferente - época de dinastias e nomes de família – mas vivemos em uma sociedade que demanda, admira e utiliza qualificativos de pessoas em geral: fulano, médico badalado, sicrano advogado famoso do pessoal de colarinho branco, beltrano, arquiteto que fez isto ou aquilo. E por aí vai, até o empreiteiro que construiu a mansão daquele deputado cassado ou o comerciante cuja mulher dá para todo mundo. Portanto, para o “bem ou para o mal”. Há, como de hábito na História, figuras singulares que se endeusam e são endeusadas. Patético, mas corriqueiro. Existe, igualmente, aquela especial referência ao filho de Fulano, Pai de Beltrano e aos Sem pai e nem Mãe, seguidamente à margem. Os bem jovens, muitas vezes, sabem apenas que a amiguinha é filha daquele cara que tem uma casa “afudê” ou um carrão conversível do cacete, tipo assim. O resto é “gente boa”, “legal” e coisa e tal. Quando muito, sabem o prenome ou apelido do indivíduo: é um viver mais democrático, mesmo que, eventualmente, alienado. Tanto faz, quanto tanto fez. Meu pai, que desfrutou de alguns títulos importantes duramente conquistados, depois dos setenta anos, já aposentado, na minha seara, não passava de “pai do Conceição”, que era euzinho - logo ele, que me transmitiu o sobrenome, sendo o verdadeiro titular. Ocorre o mesmo entre os colegas de trabalho de meus filhos. Não acho bom e nem ruim, apenas constato. C’est la vie. Se eu fosse o Sílvio Santos, seria possivelmente diferente, mas vamos deixar por isto mesmo, pois não me agrada o exemplo. Esta questão de ater-se a uma referência profissional, moral, cultural, econômica ou familiar de tradição está perdendo alcance e consistência com os novos tempos. O risco maior é que se perca a identidade e tudo vire farinha do mesmo saco. Na verdade, bom mesmo é ser aquilo que as celebridades mentem que gostariam de voltar a ser: pessoas comuns, fazendo a feira, o supermercado, no aconchego do lar ou em discreto convívio com amigos e parentes. Seguidamente, ando só de chinelo de dedo e bermuda de brim. Nem assaltante sabe se tenho dez ou cem pilas no bolso. Já me habituei a ser chamado de “Seu Zé” ou de “Seu Pedro”. Ou só de Zé. Até de “João” Pedro. Tirante muito poucos, todos nós seremos anônimos. De resto, nunca fui Rei, graças a Deus, e os que tiveram tal pretensão acabaram perdidos no banhado, com água pelas canelas, como se dizia.
*VIVA O GORDO – JÔ SOARES