Até tu, Brutus
“Até tu Brutus!” O Ninho, filho do Seu Mário, sempre vem com essa tiradinha quando alguém faz alguma coisa que o contraria. Mal sabe ele que essa frase vem do Imperador Júlio Cesar. Ele, o Ninho, deixou o pai dele na mão numa obra na casa de um vizinho aqui perto. Bom para o meu pai, que assumiu o seu lugar.
A diária que ele está recebendo como ajudante é de setenta reais, o que não é muito, mas nesses tempos de crise, de Pandemia, é melhor do que nada. Eu gosto de ver meu pai ocupado, trabalhando.
Na verdade, nessa idade ele deveria estar mesmo era descansando, pescando ou qualquer outra coisa do tipo, mas, como ele não consegue ficar parado, nem teve cabeça para assegurar um Pé-de-Meia para quando a idade chegasse, é melhor ver ele se entretendo ali com o Seu Mário, do que tá no bar toda hora tomando Uma. É como diz o ditado: “mente vazia, oficina do capeta”. Aliás, quem gosta mesmo de tomar Uma, é o próprio Ninho. Gosta até demais. Em outras palavras, ele é alcoólatra.
Eu sei no que você deve estar pensando, que o certo mesmo era meu pai estar trancado dentro de casa, de quarentena, afinal de contas, ele está no grupo de risco. Pois bem, desafio você a trancar o velho! Não tem quem faça ele ficar preso dentro de casa, nem com moléstia dos cachorros (como ele mesmo diria). Meu pai é teimoso feito uma mula quando empaca.
O Seu Mário também já é de idade, tem lá seus setenta e poucos. E é outro que não tem quem o faça ficar parado. Pense num velho trabalhador da gota serena! E se não bastasse a sua disposição para o trabalho nessa idade, ainda por cima ele é um dos melhores no que faz. Pense num velho talentoso no ofício de Pedreiro. Simplesmente um artista. Um artista desvalorizado, claro. Enquanto uns ganham milhões por ter feito uma bosta de uns rabiscos em um quadro – diga-se de passagem, na maior moleza –, outros, como Seu Mário, só ganham... nem é preciso dizer, não é mesmo.
A casa em que meu pai e Seu Mário estão trabalhando, fica ali, atrás do poste do casal de João-de-Barro. Chamamos esses nossos vizinhos de “Os ricos”, por conta do casarão que eles mandaram construir em tão pouco tempo, e as contínuas reformas que pagam para pessoas como Seu Mário fazer. A obra não parou nem nesses tempos de crise, ou seja, “ricos”.
Dia desses teve uma briga violenta aqui na rua, uma pancadaria das feias mesmo, socos, chutes, pauladas e tudo mais, teve uma hora que um dos moleques até com uma foice apareceu! A mulher do “Rico” entrou em choque lá da sua sacada, vendo o pau quebrar lá embaixo. Ela ficou repetindo sem parar: “sai diabo, em nome de Jesus, sai diabo, em nome de Jesus...”. O diabo não saio, mas a alma de uns que estavam tomando as pauladas, quase.
Briga de nóias, sabe como é, né. Inclusive, tudo indica que o Ninho esteja dando suas cafungadas na Coca também. Pelo menos, é o que Seu Mário disse para o meu pai e meu pai disse pra mim, “aquilo é a cachaça e a droga. Por isso que ele não quer trabalhar”.
Mas enfim, é como eu disse, tem males que vem para o bem, ou seja, serviu pelo menos para meu Velho arranjar um Bico pra fazer. Claro, não que eu deseje o mal do Ninho, como diria ele pra mim, “até tu Brutus”.