SOLITÁRIO ADEUS

SOLITÁRIO ADEUS

*Rangel Alves da Costa

Seria a pobreza condição humana capaz de afastar o reconhecimento do desvalido por outras pessoas, até mesmo em igual condição?

Seria o nada ter, o viver na miserabilidade, sobrevivendo apenas do mínimo necessário para se manter em pé, algo tão terrível e capaz de negar o auxílio na hora extrema?

Seria o viver sozinho, o ter poucos amigos, morar nas distâncias dos centros urbanos e nas ruas de areia e barro, a justificativa para o abandono?

Seria o abandono e a falta de reconhecimento as consequências da pobreza, ou seria a pobreza a causa de tudo ruim que possa acontecer?

Seria humanamente justo que alguém por ser pobre, morar nos cantos da cidade, venha a falecer e não ter ninguém que acorra para uma prece, para velar o morto?

Ou seria apenas consequência da crescente falta de cristandade no coração das pessoas, carência de senso humanitário ou pouco caso com quem morre ou deixa de morrer?

De qualquer modo que possa ser visto, verdade é que um velho, senhor de mais de oitenta anos, partiu dessa vida e na hora do velório não havia uma só pessoa velando o morto.

Era pobre, vivia numa casinha que mais parecia um barraco caindo aos pedaços, viúvo, sem filhos, morava sozinho. Mas havia muitos parentes seus no lugar.

Aparentemente tinha muitos amigos. Ao entardecer, quando deixava sua moradia e seguia até a praça principal da cidade, sentava sempre no mesmo banco de esquina e logo era cercado por muitos.

Sua pobreza e simplicidade não afastavam sua reconhecida sabedoria, seu dom para repassar aos mais jovens as mais diversas lições sobre a vida e ensinar os melhores caminhos perante as tortuosas estradas.

A um dizia sobre a importância de preservar uma vida justa e digna para ter sempre o reconhecimento da comunidade; a outro discorria sobre os malefícios dos vícios e da vida desregrada; e ainda a outro falava apenas sobre sua vida de tantas lutas e do nada que havia conseguido.

Sem medo nenhum, dizia sobre o tempo, ainda rapazote, quando se meteu a ser jagunço do coronel mais importante e poderoso da região. Nunca havia matado ninguém, mas já tinha visto muito sangue de inocente escorrer.

Contava também do tempo que inventou de ser cangaceiro do bando de Lampião e só não foi lutar debaixo do sol porque no dia que ia se apresentar a cangaceirada havia deixado às pressas o coito onde estava escondida.

E assim levava sua vida conversando com um e com outro, ensinando e ouvindo, repassando lições dos tempos antigos e da vida presente. Até sobre porções de ervas medicinais o velho dialogava.

Mas numa daquelas tardes não compareceu ao seu banco de todo entardecer. Nunca mais voltaria ali. Aqueles que o procuraram naquele dia não sabiam que o velho amigo havia falecido quase chegando ao meio-dia.

Morreu sentado diante do barraco, sentado num banquinho. Vizinhos avistaram e correram para acudir. Já era tarde demais. Um caixão de ripas foi providenciado pela assistência social e o corpo estendido por cima de dois tamboretes na saleta apertada da moradia.

Duas ou três pessoas passaram por ali, para o último adeus. Mas depois do entardecer não apareceu mais ninguém. Nem vizinhos, amigos da praça ou outros conhecidos. E quanto mais o tempo passava mais a solidão do falecido aumentava.

A noite chegou e nenhuma vela acesa. Nenhuma beata acorreu para a sentinela, nenhum canto de despedida foi entoado. Apenas o vento soprando pela porta aberta. E lá dentro a solidão da solitária morte.

Sem uma vela, sem uma prece, sem um adeus, apenas a morte velando o morto, apenas a morte…

Escritor

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