DEPOIS DAS NOVE

DEPOIS DAS NOVE

*Rangel Alves da Costa

Em Poço Redondo, no sertão sergipano, está havendo toque de recolher depois das nove horas da noite.

O motivo não é outro senão o coronavírus que veio e está dando trabalho para partir, como se de repente tomasse conta de nossas vidas e nosso futuro.

Por isso mesmo o toque de recolher foi imposto através de decreto municipal. Justo que assim seja. Não haveria como conter a displicência e o descaso de grande parte da população.

Certo que seja assim, já que parte da população, mesmo sabendo que pode colocar em risco a saúde e a vida da outra parte da população, estava continuando com aglomerações noturnas em ruas, calçadas e praças, então a medida serviu como meio de evitar o surgimento dos mesmos graves problemas que assolam o país e o mundo.

Mesmo sendo forçado o recolhimento, nada que se possa ter como quebra das liberdades individuais. Há, acima de tudo, o resguardo maior do direito à saúde e à vida. Há, enfim, uma tentativa de preservação da saúde e da paz do poço-redondense.

Além disso, o surgimento de diversos aspectos altamente positivos, de cunho pessoal, familiar e até mesmo espiritual, sem falar na segurança maior que acaba assomando. As pessoas nunca estiveram tão reunidas em seus lares.

Os lares nunca estiveram tão tomados de diálogos, conversas, e até dos necessários silêncios. As pessoas encontraram mais tempo para si mesmas, para refletir, meditar, encontrar respostas para questões que continuavam pendentes.

Há mais tempo para arrumar a casa, o quarto, a própria pessoa. Há mais tempo para folhear álbuns, para relembrar situações, para reencontrar retratos de memória e saudade. Há tempo para a leitura de um bom livro, para escrever qualquer coisa, para arrumar a estante e colocar em saco de lixo o que já não possui serventia.

Há mais tempo para namorar, para fazer confissões, para ficar abraçadinhos no calor do sofá. Há mais tempo para o carinho, para o afago, para o dengo, para o cafuné. Há mais tempo para a prece, para a oração, para o ajoelhamentos perante os velhos oratórios, para conversar com Deus, com os santos e anjos.

Há tempo também para o romantismo, para olhar o luar da fresta da janela e sentir um apertinho por dentro, bem dentro do coração. Há mais tempo para sentir a chuva batendo no telhado, para fazer da nostalgia um encontro que alegre a alma.

E também para deitar mais cedo, para ter mais tempo de sonhar, sonhar, sonhar. E, mesmo na crise, encontrar motivos para sentir e dizer que a vida é boa. E como é bom viver!

Assim, depois das nove, ao invés de a vida se recolher, ela abre suas portas interiores para o muito que se tem de viver.

Escritor

blograngel-sertao.blogspot.com