Cinquentei. E agora? Recordar com humor e seguir escrevendo as páginas dessa história!
Cinquentei. E agora? Recordar com humor e seguir escrevendo as páginas dessa história!
Cinquentei. E agora?
Primeiro vem o susto. Puuuutssss como voou! Depois a gente pensa:
- Mas como pode? Passou tão rápido, e eu sou a mesma! A mesma menina.
Dizem que não cresci. Realmente sigo baixinha, cheinha de sonhos e uma eterna criança que nunca quis crescer. Porque o melhor da vida é mantermos nosso espírito infantil, ainda que amadurecido na raça.
Dizem que sou meio doidinha, será? Ou que não tenho juízo! Isso é papo de mãe! Realmente, nunca nasceram meus dentes cisos!
Gente! Escritor, músico, cantor, dançarino, artistas em geral e companhia, não são muito normais não! Não perceberam? Então não acreditem nisso! Somos loucos sim, por nossas artes!
Bem, cinquentar de quarentena, está sendo algo nada muito hilário e bastante inusitado para mim e só não é cômico porque vivemos uma situação mundial trágica. Seguir vivendo. Isso é o que mais importa.
Dizem que sempre me veem sorrindo. Verdade. Ainda que triste, sempre procuro sorrir ou fazer os outros riem. Afinal, ninguém tem culpa da cara ruim da gente, nem de nossos dias de mal humor!
Por isso me qualifico como doida, alegre desorientada.
Ainda que já me disseram que dos três atributos, só sou alegre. Menos mal.
O tempo passou depressa. Será que mudei tanto assim? Acho que não.
Vi florescer 50 primaveras e segui toda a vida recebendo poemas me comparando com as flores amarelas.
Humm… Só sei que eu plantei uma árvore, escrevi um livro e tive três filhos, dois que não chegaram a nascer, que pena, porém, tenho uma filha! A minha princesinha, meu maior tesouro que tenho.
Mas, será que basta plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho?
Bem, eu ainda quero plantar uma floresta, escrever uma biblioteca e ter muitos filhos! Netos, bisnetos, tataranetos, alunos, sobrinhos, sobrinhos netos, cachorros, gatos, coelhos, um zoológico inteiro…Porque amo a natureza, as plantas, os animais e as crianças e os livros.
A vida é eterna e bela, e enquanto se tem vida, devemos viver com ela!
E é aí que me encho de orgulho de mim mesma. E de tudo o que vivi nesses 50 anos.
Primeiro porque posso dizer que ganhei duas vidas em uma só. Quando sobrevivi a um aneurisma cerebral em 2001. Só aí já é um tremendo motivo para celebrar a vida em dose dupla. Ressentimentos, acredito que não tenho. Ódio tampouco, apenas lembranças. A vida vem me ensinando a perdoar sempre.
Momentos alegres, tristes, tensos, emocionantes. Aventuras, muitas viagens, muitos amigos, muito amor, muito trabalho, muitos projetos, muitas loucuras, medo, vergonha, sustos, testes, lucros, prejuízos, perdas e ganhos. Enganos, desenganos, decepções, ilusões, desilusões, acertos desacertos. Deslizes, escorregões, alguns esfolei até joelhos. Tombos, até de bicicleta, e desses de cair com a cara no chão e que a gente pensa não conseguir se levantar! Mas levantei. Sacudi a poeira quantas vezes e dei a volta por cima. Nunca tive medo de recomeçar.
Isso se chama viver!
Nunca quebrei um braço, nem perna, nem dente, nem nada, só xícaras de minha avó, das tias, e de minha mãe. E alguns espelhos, sem sete anos de asar, por sorte. Ainda que sempre fui louca para ir para a escola de gesso no braço para os colegas copiarem a matéria para mim. Queria usar óculos, tampão no olho, muleta, nunca precisei. Só tive cachumba, caganeiras, lombrigas, catapora, rinites, dores de ouvido, coceiras e bicho de pé.
Levada da breca como já fui, não escapei de uns puxões de orelha da professora por escrever com a letra muito pequena. E de várias chineladas e safanões e gritos de minha mãe, já nem era cenas de terror. Do meu pai nunca apanhei, só do violão dele.
Ficar de castigo no quarto e fugir pela janela, sempre foi rotina semanal.
Comer angú com taioba na casa da vizinha Dona Guidá e Sô Dário, escondido de minha mãe, ela ficava brava, mas eu achava uma delícia.
Fazer aposta de quem comia mais pitanga com a prima Lucinha e no outro dia encher o peniquinho de cocô vermelhinho.
Fazer comidinha de barro com ovos de lagartixa e oferecer na colher, para a prima Néia, de olhos vendados.
Dar umas pitadinhas no cigarro da prima Edna, como recompensa para não denunciá-la para o o pai dela.
Deixar Dinha me benzer de mal olhado, era quase impossível.
Tomar da simpatia preparada pela Tia Jove, para coqueluche, um porre! Mas o seu pastel era divino.
Fugas de escolas, quase diárias. calças de uniformes rasgados sempre.
Matar aula, pular muro da escola, com violão nas costas e pegar carona na boleia de caminhão para comprar pastel com o dinheiro da passagem.
Namorar no caminho do Estadual Augusto de lima (sempre com uma colega de vela) e depois dividir o namoradinho com elas. Velhos tempos início dos anos 80.
Tocar e declamar por aí. México, Colômbia, Peru, Chile, Argentina, Paraguai e no deserto que atravessei. E por mais algumas fronteiras que já cruzei. E nos bares da vida por aí. Raposos, Nova Lima, Belo Horizonte, Rio Acima, Caetés, Sabará, Itabirito, Ouro Peto, Congonhas, Lafaiete, sul de Minas, norte de Minas, Paraná, São Paulo, Brasília, Rio, Espirito Santo… e por aí vai…. E fazer serenatas para as mães, tias e avós de amigos e parentes. O caderninho vivia cheio de pedidos.
Sair de madrugada, 11 num fusquinha, mais um violão, era uma de minhas tantas aventuras noturnas.
Fazer serenatas com Nozinho, Darinho, Expedito, meu pai e Zé Banana e ensaiar a festa do Karaokê no famoso Tchas`s Bar.
Ganhar flores roubadas do namorado da casa da Geni, de madrugada e ainda cantar Geni e o Zepelin, do Chico, em frente a casa dela para ela.
Tomar um único porre na vida de pinga com ameixa e depois, de noite subir no palco para tocar no Bar do Paulinho Macaco e cantar até as três da manhã. Obs: Com Jairo Sabarense, meu fã número 1, me acompanhando na caixa de fósforos!
Cortar um pedaço de veludo do forro da sala da mãe para fazer um conjunto para ir no baile da saudade.
Hidratar o cabelo com banana madura amassada, mel, ovos, abacate, leite e aveia. Que coquetel E depois encher de bobes, fazer touca para depois ir no baile no Estrela.
Roer unhas e ser ameaçada de passarem pimenta nos meus dedos até os 19 anos e só parar para dar bom exemplo para a filha.
Gosto de cozinhar, de dançar ainda que não danço nada, só componho. Amo samba e não danço samba. Cantar? Posso dizer que nasci cantando, ainda que sigo aprendendo e creio seguirei tentando cantar. Prefiro cantar que falar. Mas dizem que falo muito. Será?
O meu dentista, Dr Waldir, aos quatro anos de idade já me dizia que tinha sido anestesiada com agulha de vitrola.
Aprender a nadar eu acho que aprendi. Só nunca tive coragem de pular numa piscina. Odeio agua fria.
Há quem tem vergonha de revelar a idade. Eu não. Nossos anos são motivos de honra e sinal de que a cada dia temos mais uma oportunidade de aprender. De consertar, de fazer de novo. A vida é sempre uma emoção, do eterno recomeçar.
Eu, que nasci na década de 70 já me sinto muito merecedora! Minha infância foi norteada por Monteiro Lobato, com o Sítio do Pica Pau Amarelo, Cuca, Saci, Narizinho, Pedrinho, Emília, Dona Benta, Tia Nastácia. E com os personagens de nosso folclore; boto, sereia, mula sem cabeça, lobisomem. Perdidos no espaço, terra de gigantes, elo perdido, clube do Mickey e programa da tia Dulce eram meus favoritos na TV.
Toda essa fantasia, germinou e terminou florescendo em mim o dom de escrever, de tocar, de cantar, de compor, e de contracenar… Enfim, de ser quem eu sou.
Sou mesmo de sorte. Já nasci vendo o meu país conquistar o Tricampeonato de Futebol da Copa do Mundo.
Época em que iniciava -se o movimento Hippi. Jimy Hendrix e Janis Joplin com o movimento conhecido como Paz e Amor que se espalhou pelo mundo. Os métodos contraceptivos ganharam força e a liberdade sexual. Ainda bem que eu nasci antes, senão poderia ter ficado mais uns bons pares de anos lá em cima aguardando algo dar errado.
Nos embalos de Sábado à noite eu crescia ao som de Elvis, Donna Summer, Bee Gees, Michael Jackson, ABBA, George Mac Crae, John Travolta e as Frenéticas. Cercada de amor e cuidados eu arriscava aos 4 anos, tocar umas melodias num pianinho de 16 teclas, colorido, ganhado no Natal de 1974 e inaugurar o microfone da vitrola lá de casa, gravando com o papai, logo ao som de seu violão as paradas de sucesso. Era a sensação do momento, eu cantando Skyline pigeon, de Elton John, em meu embromation do inglês, para todos da família lá de casa.
O cinema sempre me encantou. Pensado bem, quase que eu nascia dentro do cinema! Meus pais assistiam Dr. Jivago quando minha mãe sentiu as dores do parto, em plena véspera de sexta feira da paixão. Talvez explica o motivo de viver a vida sempre tão apaixonada. Por pouco me chamaria Lara. Mas meu nome já estava escolhido.
Lembro-me bem quando fui no cinema, com papai, ver cantarem Jane e Herondy e Perla. Eu tinha apenas seis anos e isso tudo aguçava meus sonhos de palco.
Quando tivemos a primeira TV em cores foi uma festa lá em casa. Poder saber a cor dos vestidos das atrizes de novela da TV Tupi. Vivi a era do polêmico Flávio Cavalcanti, do Globo de Ouro, Do Almoço com as Estrelas, Com Airton e Lolita Rodrigues, Hebe Camargo, dos Programas de Calouros do Silvio Santos, dos saudosos e encrenqueiros da Aracy de Almeida e Pedro de Lara. E desfrutei junto, das doces risadas de papai assistindo a série O bem Amado!
Aos sábados o Clube do Bolinha e o eterno e saudoso Chacrinha. Mamãe ficava irada quando ele gritava: - Tereziiiiinha!! !- E eu respondia rindo, HUhu!!!! Mamãe fazia bolos, roscas caseiras e rosquinhas. Enquanto eu ouvia o disco vinil da saudosa Clara Nunes, presente que ganhei do tio Coreia, meu tio fotógrafo.
Era uma vida simples, pura e inocente, porém, feliz, recheada de amor, alegria e fantasia.
Época dos Festivais da Canção que consagrou grandes mestres de nossa MPB como Geraldo Vandré, Caetano, Maria Alcina, Elis, Jair Rodrigues, Oswaldo Montenegro e tantos outros… Eu vi o auge da Ditadura Militar e no fim da Guerra do Vietnã.
Assisti nascer e chegar até nós, tantas tecnologias e a das telecomunicações, e com ela, os avanços e problemas vividos até então.
Pode-se perceber que meio século de vida é uma novela da vida real que passa pela gente com cenas de próximos capítulos todos os dias. E é por isso que eu agradeço por todos os momentos vividos até aqui. Todos que contracenaram comigo parte dessa história.
Das pedras e das flores que encontrei pelo caminho. As flores perfumaram e embelezaram a minha estrada e as pedras me auxiliaram a erguer uma boa parte de minha estrutura emocional.
Só tenho a dizer gratidão!
Ao universo de infinitas possibilidades e abundâncias que me proporcionam sempre ter o que me basta.
Obrigada meu Deus.
Obrigada vida! Obrigada família, amigos.
Gratidão a todos que de alguma forma me auxiliaram a escrever boa parte das páginas de minha história até aqui!
Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi!!!
Valéria Gurgel
28 de Março de 2020