O Frágil Mal em Nós
Numa manhã de segunda-feira, todos apreensivos. A apreensão nesse dia da semana é comum. Vai começar a jornada de trabalho outra vez, as aulas, provas, ensaios, cultos, compromissos, tantas coisas. Mas essa segunda-feira específica foi diferente.
O comum eram ruas e avenidas lotadas, postos de gasolina com filas quilométricas, pontos de ônibus, trens e metrôs cheios, e os ônibus então...hum... com gente a sair pelo ladrão de tão cheio. Isso faz parte do cotidiano de todos. Pessoas levantando sonolentas, saindo de casa ainda com sono, dirigindo e cochilando ao mesmo tempo, penduradas no ônibus e nos trens/metrôs dormindo, sentadas nos transportes públicos babando e com as cabeças caindo nos ombros dos outro ou para a frete, enquanto os mais despertos riem discretamente, porque todo mundo ali é educado (ou finge, tanto faz... que se importa?).
Mas aquela segunda não! Não foi nada disso. Ninguém nem saiu de casa. Todos, ou quase todos, uns 99% apenas do Planeta Terra, permaneceu em casa, trabalhando de lá ou desempregado mesmo, mas lá. Todos tremendo de medo, uns de sair e se deparar com o Mal, outros de sair e se deparar com a polícia os fazendo voltar porta adentro. Suas casas eram seus refúgios, assim diziam as autoridades.
Ninguém queria assustar ninguém. Não era exagero, como se pensou e até se falou, bestialmente, no início. Era o Mal mesmo, em pessoa, ou melhor, numa figura totalmente frágil e desimportante, circulando entre todos, dominando-os e os destruindo. Naquela segunda-feira o Mundo mudou de prioridade. Nada mais enriquecer, nada mais de Economia, nem Sustentável nem Destrutiva, nada impostava mais. O dólar podia subir o quanto fosse. A reação da população a ele era somente um “Ah. Nossa. Se sairmos dessa estaremos falidos.” Mas a preocupação prioritária era sair dessa. A certa altura do dia, nem emprego ou desemprego preocupou mais.
Aquele dia mudou, para sempre, os rumos do Mundo, daquele Mundo. Saindo daquele dia, o forte provavelmente não seria mais tão forte assim, talvez até faliria. O insistente numa eterna tentativa de se fortalecer, tendo senso de oportunidade naquela desgraça, se fortaleceria enfim. O Mundo Velho finalmente, ou dolorosamente forçado, se renovaria, porque após acabar aquele dia, restariam pouquíssimos dos sábios conselheiros de outras épicas ali, ou até nenhum. Estando a mais tempo no mundo, estavam mais desgastados, por isso vulneráveis à destruição daquele Mal.
Nesse momento de praga, diversas vozes circulavam em nossas cabeças. Uma em especial me incomodava: aqui se faz, aqui se paga. Todos sabiam: agimos como pragas contra o planeta e contra nós mesmo o tempo todos, inclusive contra nosso Criador, como costumavam ensinar nossos ancestrais, antes de ficarmos independentes, inteligentes e sem necessidade de um Criador (sem críticas a essa “evolução”, até porque a esta altura ninguém está em posição de criticar ninguém aqui). Mas me perguntava, em contraponto: e a Graça? Haveria socorro para nós? Ou perderíamos nossos velhinhos e os mais fracos?
Não tínhamos respostas para essas e tantas outras indagações naquele momento. Aquela segunda-feira do mal, que mais parecia sexta-feira 13, ainda não havia acabado.
Marta Almeida: 19/03/2020