NO PASSO, NA CAMINHADA...

NO PASSO, NA CAMINHADA...

*Rangel Alves da Costa

Sou de passo, sou de estrada e de caminhada. O olhar tantas vezes avista ao longe, mas nunca como ir mais distante e conhecer o além mais além, o que até não se imagina que possa existir. E há tanto há se descoberto que não é pouca caminhada que possa encher a cuia.

Minha curiosidade me faz querer saber sempre mais. E de trás pra frente e da frente pra trás. Nada melhor que conhecer a raiz e não somente a flor. Quem se acostuma a somente avistar o que vive por riba, jamais vai conhecer a fonte rica que corre embaixo.

E é no adiante que está a história. História fincada no tempo, escondida em escombros, oculta entre tufos de mato. Ou mesmo gritando pelos fantasmas que ainda vagueiam pelas distâncias. Mas tudo possível de ser encontrado, visto, conhecido.

Sim, o meu passo vai, minha caminhada segue, minha necessidade de conhecer me guia. Não há tempo de chuva ou sol, nublado ou de indecisão, pois sei que tenho de andar por aí para escrever na memória cada letra avistada na vida, do antigo ao agora.

Chego na beirada do pote e o barro antigo, lanhada de tempo e sede, sempre me ensina alguma coisa. Chego perante a cancela do velho casebre e os restos toscos e encardidos daquele mundo, ecoam a me chamar para conhecer suas entranhas. E vou...

Aió e embornal pelos cantos, candeeiro de parede e oratório de fé, tudo me ensina. Enxada e enxadecos, foice e gadanho, retalhos de chão e história, de luta pela sobrevivência e retratos do mundo-sertão. Sou moço do mato, sou da cidade não. Nem quero ser.

O batente ainda manchado do sangue da luta, o tronco alquebrado mais adiante, o esquecido baú com suas saudades guardadas, tudo isso me ensina. E também me ensina a palavra matuta, a mão calejada, a face marcada de tempo. Olhares fundos e profundos, testemunhos de tudo aquilo que tanto eu quero ouvir, saber e conhecer.

Não prossigo sem antes seguir aos pés da cruzinha abandonada, já pendendo ao chão, sem mais dizer quem ali tombou pela emboscada. Que tocaia maldosa. Sim, sei que houve um tempo de armas famintas e gemidos soltos, de estampidos saídos dos canos vorazes e de corpos estendidos ao chão. Histórias de carnicentos, de urubus, de gaviões e carcarás.

E vou lendo nas paisagens as letras pelos anos já apagadas. Ninguém quer falar sobre aquilo. Dói demais, dizem. Eu sei que dói. Conheço as artimanhas e os labirintos desses sertões. Um sertão tão belo como a florada do mandacaru, como a suntuosidade da flor da jurubeba, mas também tão feio e medonho quanto a fome, a sede e as vinditas de sangue.

Os clavinotes ainda estão apontados entre os tufos de mato. Cangaceiros, jagunços, volantes, bandoleiros de paga, tudo ainda assombra e amedronta. As folhagens farfalham gemidos estranhos. A avoação da tem-tem anuncia uma presença escondida. Quem será? Meu Deus, meu Deus...

Os cemitérios estão debaixo dos umbuzeiros e suas fitas e suas cruzes choram as saudades tantas. Rosários e terços perante o meu olhar. As mãos velhas passeiam ao paraíso enquanto as bocas sussurram as sagradas confissões. Eita coisa bonita nesse povo: sempre o céu na lua, sempre o céu no sol, sempre o céu no prato cheio ou na panela vazia.

Mas também ainda ouço as sentinelas, as ladainhas, os ofícios de um povo ajoelhado aos pés do altar. As igrejinhas silenciam mistérios. Os santos e anjos saíram para visitar os empobrecidos destes sertões. Por isso que sempre encontro um fogão de lenha aceso. Abro a porta da velha igreja e ajoelho-me.

Mas não sei rezar, confesso. Só sei pedir a Deus que sempre proteja esse sertão e o seu povo. E não se esquecendo de que também sou sertanejo.

Escritor

blograngel-sertao.blogspot.com