RENDEIRAS DE POÇO REDONDO

RENDEIRAS DE POÇO REDONDO

*Rangel Alves da Costa

Mesmo sem a dimensão de outros tempos, ou até no esvaziamento de agora, a verdade é que a arte da renda de bilros ainda persiste existindo em Poço Redondo, no sertão sergipano. Se outrora a renda a era um ofício familiar e passado de geração a geração, agora somente a abnegação de algumas para que tão bela arte continue viva.

A análise das rendeiras de agora deve ser feita entre duas gerações diferentes. Uma que desde muito vem trilhando o ofício, e outra que passou a cultivar por gostar e também pelo desejo de continuidade.

Duas gerações de rendeiras de Poço Redondo, duas gerações de mãos hábeis no tracejar dos bilros sobre a marcação na almofada e o surgimento de uma arte de formosura sem igual: Dona Domingas e a jovem Sara Ferreira.

Dona Domingas já possui a renda de bilros no sangue e na alma. Sara Ferreira se entrega ao seu ofício de arte como se estivesse tecendo o sol, tecendo a lua. Dona Domingas é rendeira por devoção, pelo gosto da criação através da linha, do espinho, do bilro.

Sara Ferreira desde criança que tomou gosto pelo mundo que pode criar por cima da almofada, e hoje faz de sua arte uma parte essencial de sua própria existência. Como visto, ser rendeira vai muito além de simplesmente sentar-se diante de uma almofada para dar vida a um objeto de desejado luxo e requinte.

A arte da renda de bilro vai muito além da habilidade das mãos no ritual da criação, para ser uma expressão dos próprios sentimentos de cada artesã. Ser rendeira é amar a arte, é dedicar-se com afinco sentimental tamanho que cada peça criada reflete bem o amor devotado em cada passo da criação.

Poço Redondo já foi célebre celeiro de grandes rendeiras, algumas ainda entre nós, mas quase sem o exercício da renda. Já foi, mas não é mais. Até alguns anos atrás, projetos surgidos reuniam número considerável de artesãs e lhes garantia um salário extra, além de parte do valor da produção.

Os projetos, contudo, escassearam, e também o interesse de muitas rendeiras. Assim, quando, na introdução, foi afirmado que a renda de bilros possui tristes esperanças, foi no sentido de apontar a difícil realidade das rendeiras de Poço Redondo.

Se no passado, as calçadas eram como oficinas para muitas rendeiras, hoje se conta nos dedos o número de artesãs ainda existentes. Segundo certa feita relatou-me Dona Domingas que somente continua praticando a arte da renda de bilros a pessoa já aposentada e que encontra tempo para se sentar perante sua almofada e produzir alguma coisa sem pressa.

Mas a grande maioria abdicou de vez do ofício, principalmente por não ter garantia de uma justa lucratividade nem receber qualquer tipo de ajuda de custo. Assim fica difícil dedicar-se somente aos bilros. Muitas procuram afazeres outros que sejam certeza de algum ganho. A maioria, como dito, guardou sua almofada, deixou adormecidos seus bilros, papelões e espinhos, para, quem sabe, um dia retomarem suas artes.

Lamentável que assim aconteça, principalmente pelo surgimento de algumas jovens abnegadas - como a própria Sara, as filhas de Dona Domingas e outras ainda mais jovens - e interessadas em dar continuidade a esta arte tão nobre e tão tradicional nos rincões sertanejos.

A esperança, então transformando a tristeza em alegria e felicidade, é que novos projetos e incentivos surjam, de modo que as mãos tão hábeis continuem tecendo a beleza através do inesperado do espinho e do bilro.

Escritor

blograngel-sertao.blogspot.com