NOSSA FRÁGIL DEMOCRACIA E O TRESLOUCADO SEBASTIANISMO: O FENÔMENO BOLSONARO
Ah! Nossa frágil democracia…
Nossa história republicana é cheia de sobressaltos, golpes, conflitos de interesses, mas nunca, em nenhum momento, fomos tão patéticos quanto agora…
Como chegamos a este cenário tão absurdo?
O caminho é complexo e há de se considerar vários aspectos. Dentre eles, destaco a corrosão da imagem dos políticos brasileiros, a frustração com o PT e sua traição e, não menos dramática, a total ineficiência do sistema político-eleitoral e suas engrenagens corruptíveis.
Vamos por ordem.
Há muitas décadas, isso pra falar apenas no período de redemocratização, a classe política perde, a cada nova eleição, mais e mais respeito. O descrédito com a política e os políticos só aumenta. A cada escândalo, a cada novo esquema, o desestímulo do eleitor ganha volume. Com isso, de uns tempos pra cá, candidatos aventureiros, kamikazes e figuras sombrias e/ou patéticas têm se tornado constantes nos pleitos. Cada vez mais despreparados, boa parte dos candidatos se lança não com o intuito de mudar o país, mas com a vontade de mudar a própria vida. O desaparecimento de figuras mais sólidas deixou o primeiro vazio na frágil democracia tupiquinim.
Outro ponto diz respeito às gestões petistas com a primeira vitória de Luís Inácio Lula da Silva. Quem tem entre 35 e 55 anos, sabe do que vou falar. Vivi a minha juventude tendo o PT como referência de partido de oposição. O partido dos trabalhadores, das greves, das grandes manifestações, das cobranças. Quando Lula consegue, enfim, chegar à presidência, muitos comemoraram como um sinal de avanço democrático, afinal, um homem de origem humilde, alcançava o posto mais alto da nação. E, sim, muitos de nós viam o PT não com desconfiança, mas como a grande virada do Brasil. Entretanto, a partir do desmonte estabelecido pelo mensalão e pelo petrolão, o PT viu alguns de seus grandes nomes serem colocados na lama, um a um, o que levou outras importantes referências a deixar o partido. A luta contra a corrupção, bandeira tanto defendida, foi jogada pra escanteio, como se nada fosse. Conquistas sociais acabaram ficando em segundo plano. O sentimento de traição foi enorme. O sentimento era o de fazer, mais uma vez, papel de otário (e não estou entrando no mérito do processo e prisão do ex-presidente ou da atuação de Sérgio Moro. Há muitos pontos não resolvidos, parcialidade no julgamento, entre outros problemas, o que, de modo algum, pode minimizar a corrupção, que foi real e devastadora). O segundo vazio na nossa tão cambaleante democracia estava posto.
Para piorar ainda mais, nosso sistema político-eleitoral se distancia dos brasileiros com as suas regras esdrúxulas, como o quociente eleitoral, a forma como se dá a suplência dos cargos, a quantidade de partidos e um sem fim de outras bizarrices que transmitem ao eleitor a perplexidade de não fazer parte do jogo nunca. Com partidos nanicos, de aluguéis, com o fisiologismo de várias siglas (à esquerda ou à direita, tanto faz) e com a falta de representatividade e identidade destes mesmos partidos para com a população, cria-se o terceiro vazio na nossa pobre e pálida democracia.
Estes três vazios, buracos no nosso espaço político, tornaram possível a eleição de Jair Messias Bolsonaro. Candidato que há alguns anos seria impensável para a maioria absoluta dos brasileiros. E acredito nisso. Culpar tão simplesmente o próprio brasileiro pela ascensão de um homem que em nada lembra um presidente da república é de uma simplicidade ridícula. Sim. Todos têm responsabilidade sobre o fato. Sim. O sucateamento da educação também colabora para isso, pois uma nação ignorante sempre seguirá subserviente. Sim, há vários setores no país que sustentam e defendem o projeto político que ora ocupa o planalto, de forma direta ou indireta, como parte da mídia oficial que agora se vê como o criador contra a criatura.
No entanto, se os fatores aqui mencionados não chegassem ao ponto atual, o cenário para a tragédia que agora vivemos não se concretizaria.
Nossos políticos viveram como se nada de errado estivesse acontecendo. Viveram como se morassem no Olimpo. Ganharam a antipatia geral.
O PT, para governar, aliou-se aos representantes mais escusos e torpes da nossa política e não fez sua autocrítica em nenhum momento. Como se nada de errado estivesse acontecendo, continuou e continua a sua narrativa. Vive como se estivesse em outro plano. Conseguiu alimentar e, de certa forma, ajudar a construir o antipetismo.
Nosso sistema, por sua vez, cria e mantém privilégios, burocratiza tudo em todas as instâncias e etapas, sendo, por isso, lento e pesado. O judiciário expõe a grande discrepância dessa balança estrutural: poucos com altos privilégios e encastelados, dentro de redomas, espelham um país terrivelmente injusto e parcial.
Assim, somadas todas as circunstâncias e bem pesados todos os aspectos, Jair Bolsonaro se torna nosso atual presidente.
Agora, terrivelmente, temos um momento surreal na nossa história “democrática”: uma convocação para o fechamento do congresso e do STF.
Um congresso fraco e sem representatividade, um judiciário questionado e sem credibilidade mais um presidente descontrolado são ingredientes para a barbárie e para o caos.
Eu não tenho informação na história do país de que um grupo tão incapaz tivesse conseguido o comando de tão importantes postos, do meio ambiente à educação, da economia à (des)cultura, enfim, o que temos hoje é algo inominável.
Bolsonaro é, sem dúvida alguma, o homem mais despreparado da república para representá-la. A postura constantemente beligerante, como se estivesse em perpétua guerra, a truculência e a arrogância, parceiras inseparáveis de falas, gestos e posts, o comportamento inadequado e o tom preconceituoso não podem jamais serem aceitos como características de um chefe de estado.
O que torna a situação ainda mais grave, como se isso já não fosse o suficiente, é usar a fé e o nome de Deus para se alcançar objetivos nada cristãos. Travestido de um sebastianismo tresloucado, o culto a Bolsonaro, mais uma vez nos oferece um salvador da pátria. Um salvador sem contestação!
Esta crônica poderia se alongar ainda mais e isso seria um erro, por dois motivos: primeiro porque deixaria de ser uma crônica e, não mais importante, em tempos de pós-verdade, por mais que escreva e fale a respeito, as pessoas acreditarão naquilo que for melhor contado ou naquilo que for mais conveniente.
Até quando nossa democracia suportará, eis a questão!