Nos bastidores da polícia

Era o 2º semestre de 1986, e depois de concluir o curso de formação de Agente de Polícia, fui lotado na então 5ª, hoje 8ª Delegacia Regional de Polícia de Rio Verde, cidade que tinha cerca de 80 mil habitantes. E como era época de vestibular, prestei para o curso de Direito. Em 1991 concluí o curso de Bacharelando em Direito.

Na década de 90, já era um pouco conhecido na cidade, por colaborar com alguns jornais da região e publicar livros de poesias. Participei das reuniões para a fundação da Academia Rio-Verdense de Letras, Artes e Ofícios, mas não pude entrar por não ter nenhum livro publicado na época; e depois não quis me candidatar a uma cadeira. Fui membro do Conselho Municipal de Cultura. E certa vez, fui convidado para fazer parte do Conselho Municipal de Segurança Pública; recusei o convite.

Por ter mais tempo para escrever solicitei trabalhar no plantão da carceragem e ocorrências policiais. Até o ano de 1999 trabalhei sem problemas, sem nenhuma intransigência. Na minha folga costumava vir à Goiânia visitar meus pais. Tinha muitos amigos, participava de eventos literários, ia em clubes, festas, e praticava esportes como futsal e soçaite. Também tive muitos casos amorosos, que não se desenvolveram como eu queria.

No ano 2000 um novo delegado assumiu a regional, e uma de suas primeiras medidas foi me transferir para a cidade de Santa Helena de Goiás, vizinha uns 40 quilômetros. No final do ano o tal delegado caiu do cavalo, e me chamaram de volta. E no ano 2002 a regional voltou a ser assumida por um novo delegado, que trouxe consigo, um escrivão e dois agentes. Um dos agentes foi morto numa operação policial por disparo acidental de arma de fogo por outro agente.

No segundo semestre de 2002 havia estagiários de Direito na delegacia. Dentre eles uma moça loira muito bonita de vinte e poucos anos que se aproximou de mim. “Olá, fiquei sabendo que você é poeta e escritor, tem livros publicados, que bom”. “Sim, escrevo alguns poemas para passar o tempo”. Ela me pediu um livro. Dei alguns livros para ela. Ela disse que pintava quadros. “Uma artista plástica em nosso meio, que bom”. Fizemos amizade. Sempre que estava de plantão a gente conversava, e ainda ligava para ela.

A notícia nos bastidores era que eu estava tendo um caso de amor com ela. Sempre a via conversando com um colega, agente de confiança do delegado; e as vezes quando estava conversando com ela o rapaz chegava para intrometer. Um dia, por curiosidade eu perguntei: “Vocês estão namorando”. Ela respondeu que era só amizade. Disse eu: “Tudo bem”. Deveria saber que muitas moças têm a mania de ter um amiguinho para confidências, e ficar conversando sem se envolver sentimentalmente. A minha pergunta despertou o ciúme no rapaz. Melhor seria eu ter fingido não ver nada.

Achava ela linda, inteligente, comunicativa e determinada, mas um pouco ansiosa; e fumava cigarros da marca Marlboro. Em algum dia de dezembro estava agendado num clube uma festinha de confraternização dos policiais civis, combinei de encontrá-la. Ela chegou bonita e radiante. Ela me cumprimentos e sentou-se na mesa de seu amiguinho. Por não gostar muito de festa, senti-me como um peixe fora d’água, e fui me embora logo sem olhar para trás.

Logo em seguida teve uma festa de aniversário do delegado noutra cidade, e foi alugado um ônibus para levar os policiais e afins. Notei que a moça ainda estava interessada em mim, e estava preparando uma roupa bem elegante, nem precisava. Ela não foi no ônibus, havia ido na frente para se arrumar na casa de uma amiga. Sentei-me numa mesa com amigos mais chegados. Vi quando ela ia passando e o amiguinho dela puxou ela para conversar e roubar-lhe um beijo; e ficaram toda a festa se pegando. Como não pude voltar para casa, tive que ficar, mas fiquei de boa até altas horas.

O romance entre os dois acelerou bastante, sempre os via se beijando até mesmo durante o expediente, e parecia até que era para me provocar. O rapaz por ter tomado a minha namorada ganhou um apelido “Leleco”. Cometi o erro de ligar para ela. “O que você quer, me deixa em paz, não vê que estou namorado, vou te denunciar por assédio”. “Nossa, tá bom, não vou mais ligar para ti”. O delegado ligou querendo falar comigo. “Alonso, você sente um amor platônico pela gaúcha, mas há muita diferença entre vocês e, ainda, ela está namorando. Tem que respeitar a vontade dela”. “Certo, não vou incomodá-la jamais”.

Nesse ínterim (março de 2003), a cidade de Santa Helena de Goiás ficou sem agente policial, e eu fui o escolhido pelo dito delegado para trabalhar lá. (Fique sabendo que o barco que os dois navegavam tinha afundado; não assisti o final do filme. E não sei que rumo tomaram; mas que estejam felizes, juntos ou não). Depois de alguns meses os médicos constataram um tumor nos rins de minha mãe, o que me emocionou muito. E foi aí que solicitei o meu recolhimento para Goiânia. Fui lotado no 21º Primeiro Distrito Policial e posteriormente na 1ª Regional de Polícia de Aparecida de Goiânia, perto de minha família, desejo antigo de minha mãe, que faleceu no dia 25 de outubro de 2003. Em agosto de 2008 me aposentei por tempo de serviço, e passei a ter mais tempo para escrever. Quanto a minha vida amorosa, ainda não encontrei a companhia ideal. E mesmo que não a encontre, vou continuar sonhando porque a vida é bela.

Goiânia, 20-02-2020

Alonso Rodrigues Pimentel
Enviado por Alonso Rodrigues Pimentel em 21/02/2020
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