Sobre vontade, tatuagem e a importância do botão do foda-se 

Eram os primeiros dias com tatuagem no braço.

Algo meio banal para uns, pode ser significativo para outros.

Tatuar-me após 4 décadas de vida foi interessante pra mim. Por muitos motivos.

Mas antes vou contar um fato acontecido comigo: Domingo passado, que foi o segundo fim de semana desse ano 2020, encontrei uma amiga querida na padaria, a Fábia,  que me contou entre outras novidades que viajou com o namorado e voltaram de viagem casados, casadinhos, tudo sem muito auê. Dei-lhe parabéns e não me contive em perguntar: como foi isso? que coisa... enfim, curiosidade de amigo!

Ela disse que realmente surpreendeu a si mesma e a muitas pessoas. 

"Esquenta a cabeça por perguntar não, todo mundo pergunta" - me tranquilizou.

"Eu decidi fazer algo sem interferências e o casamento fez parte disso. Sabe? Quando ver, já foi!" 

Eu entendi muito o que ela quis dizer. Afinal, a Fábia sempre se queixou que parentes, mãe, avós, enfim, sempre tinha alguém impondo vontades a ela e até anulando suas vontades, seja quando adolescente, ou adulta, na faculdade, ao querer decidir isso ou aquilo, o que fazer... isso quando não a boicotavam ou queriam controlar seus caminhos. 

"Tchau! Gostei da tatuagem no braço" - ela fez questão de comentar: "Você sempre disse que faria, mas sempre enrolava... agora criou coragem... hahaha... ficou bonita!"

É bom ver alguém tomar as rédeas de sua vida, mesmo a duras penas, pagando preço desproporcional. E não importa se isso aconteça aos 30, aos 40, 45. É bom.

E a rápida conversa com minha amiga me fez abrir duas janelas no meu navegador-pensamento. Compartilho aqui:

Primeira janela: em que momento da vida, em quais momentos, em quais ocasiões, como agir de modo livre? É possível? Perguntas que nos perseguem...

Segunda: como fazer pra se livrar da condição que muitos de nós tivemos de crescer, se desenvolver, desde criança, jovens, adultos em contextos rodeados de avaliação, fiscalização, aprovação/reprovação, culpa e controle diante de nossas vontades, desejos, escolhas, desde o simples ao mais complicado, é pesado, né?

A comparação com o futebol vem de cara: será mesmo que um Juiz sempre vai anular nosso gol? Que o técnico do time vai nos deixar no banco de reservas? Que o bandeirinha vai marcar impedimento? Que um jornalista ou a torcida vai criticar e tal? 

Não tem jeito.

É o que dizem por aí: a sociedade nos avalia, o patrão, familiares, a maldita influência cristã, idéias que nos cerca e prevalecem, ainda que aqui ou acolá. Alguém aparece pra dar pitaco na nossa vida. Tá certo! Tá errado! Muda isso! Faz aquilo! Não devia! Mas que coisa! Aparece uns iluminados pra dar palpite e conduzir seu volante... e, como eu falei sobre a Fábia, não tem idade. Queira ou não, qualquer um, qualquer uma tá sujeito ou sujeita a opinião, comentário, dedo, análise alheia... e isso é péssimo.  Daí a importância do botão do foda-se.

Taí uma tese que vou desenvolver melhor noutra crônica, quem sabe algo do tipo "as 10 melhores ocasiões para acionar o botão do foda-se" ou talvez algo mais bonitinho, tipo "Como o botão do foda-se nos ajuda a resgatar a subjetividade e o amor próprio", eita, tem pano pra manga.   

Construiremos uma sociedade que "jurados de plantão" notem mais o dom e a paixão por cantar do calouro do que suas desafinadas? Daremos a filhos, filhas, sobrinhas, sobrinhos um convívio com mais chance de jogarem bola, fazerem natação, dançarem ballet sem a necessidade do aplauso, da medalha ou serem melhores em tudo? 

A Fábia elogiou minha tatuagem. Fiquei feliz. Mas, me pareceu que ela gostou muito mais do ato de me tatuar aos 42 anos, do que do desenho, frase ou traço (por sinal lindos). Sim, foi essa a conexão: ela passou uma semana fora do país com o namorado e se casou. 

Decisão livre. 

Vontade autônoma. 

Escolha sem cerceamento. 

Corpos felizes. 

Sorrisos largos.

Ela e ele, mais ninguém. 

Senti que ela viu e expressou um pouco dessa vibe: é você escolhendo um desenho, uma frase para integrar seu corpo, fazer sua vontade.

Conexão simples. Para uns, ser livre pode ser algo aparentemente pequeno. Como um corte de cabelo, um almoço, uma tatuagem. Para outros, escolher a profissão, onde passar o fim de ano, com quem se relacionar. A liberdade une as pessoas que se permitem vivê-la. 

Eu ouvi besteiras e esquesitices sobre minha tatuagem que nem vale a pena comentar. "Mas é pro resto da vida?" Mas e se se arrepender?" "Quando a pessoa fica velha é estranho" e outras frases nada a ver... Realmente tem gente que perde tempo querendo falar ou concluir sobre o que não lhe diz respeito. É o famoso juízo de valor. Aff... meu Deus. 

Prefiro retratar aqui algo bem bonito que ouvi, ainda no dia que me tatuei: "eu amo, acho o máximo. É um jeito de se comunicar com o mundo, ser autêntico!!" E não é que a gente passar a ver tatuagens por toda parte mesmo? nos pés, atrás da orelha, peito, nuca, dedos, palavras que marcam, desenhos singelos, algumas tão... tão pessoais... como não ver beleza? Os motivos para cada tatuagem? Converse com a pessoa. Ouça dela. De preferência, pessoalmente. Compensa.

Ahh! Não posso esquecer: Fábia, eu sei que você leu essa crônica. Um beijão. Felicidades sempre. Venha com o Edgar comer pizza qualquer hora! 

Cleyton Borges (Crônicas no Rascunho)
Enviado por Cleyton Borges (Crônicas no Rascunho) em 17/02/2020
Reeditado em 18/02/2020
Código do texto: T6868526
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