A VELHA SENHORA E AS FLORES DE PLÁSTICO
A VELHA SENHORA E AS FLORES DE PLÁSTICO
*Rangel Alves da Costa
Pela janela da sala avistava-se um jardim descuidado, porém com flores vistosas pela estação. Bastava chegar rente à janela e também avistar colibris e borboletas, folhas passando em voo, bem como ouvir algum canto de passarinho.
Mesmo com a possibilidade de lançar seu olhar para o além da janela, para as paisagens mais adiante, a velha senhora sequer sentava junto ao umbral, com sua cadeira de balanço recebendo o frescor das horas.
Quem adentrasse à sala - quase sempre escurecida - sempre encontrava a velha senhora no mesmo local, sempre sentada em sua cadeira de balanço e com os olhos voltados para uma mesa logo adiante. Não olhava, contudo, para a mesa em si, mas para um jarro que ali ficava.
Ali adiante, um velho jarro com flores parecendo ainda mais velhas. Flores de diversas cores, mas todas parecendo esbranquiçadas pelo tempo. Por mais que de vez em quando fossem lavadas, uma poeira se impregnava tal qual um pólen do tempo.
No passado, para o jarro bonito, de porcelana florida, as flores ali colocadas pareciam colhidas em jardim. As rosas então, estas pareciam viçosas, molhadas e perfumadas, mas somente para a ilusão do olhar. E com o tempo, com o passar dos anos, tudo esbranquiçando num buquê sem vida.
Perante estas flores sem vida, esbranquiçadas, murchas no plástico do tempo, é que a velha senhora levava os seus dias. Sentava na cadeira de balanço e passava horas e horas mirando aquela natureza-morta sobre a mesa. Mas o que motivava a velha senhora a fazer isso, quando bem poderia olhar as flores do jardim logo após a janela?
O mistério estava no pensamento. O segredo estava no diálogo que a velha senhora mantinha com as flores de plásticos. As memórias, as recordações, as nostalgias, bem como as perguntas e respostas feitas, tudo serviria como resposta àqueles momentos de olhar sempre fixo nas flores de plástico.
Toda vez que lançava o olhar às flores de plástico, era como se a velha senhora estivesse avistando a vida em todas suas consequências. Avistava o tempo caminhando, as folhas do calendário passando, o passado, o presente e o futuro.
E por dentro, no seu íntimo saudoso, certamente dizia: Não somos sequer como as flores nascidas em jardim, pois estas nascem belas, fulguram nas paisagens, perfumam ambientes, mas logos perdem o viço, a força, e morrem. E nós humanos convivemos um pouco mais com o jardim da vida.
E acrescentava: Somos assim como flores de plástico. Nada mais que isto, pois flores de plástico, apenas. Belas, coloridas, parecendo vivas quando novas, mas que aos poucos vai perdendo toda sua beleza. Não murcham, mas se dobram. Não caem, mas perdem a cor. Não perdem o perfume inexistente, mas sobre elas passa a restar somente o pó, a poeira do tempo.
Assim, eis a razão de a velha senhora tanto olhar e refletir perante as flores de plástico. Não meditava sobre as flores sem vida, sem cor, empoeiradas. Mas sobre a vida que também é flor de plástico. Vai perdendo a cor, o ânimo de flor, para depois se recurvar, se encher de marcas do tempo, até que um dia simplesmente ser jogada fora.
Flores de plásticos somos, não há que duvidar. A velha senhora uma flor de plástico já desgastada de tempo, já prestes a perder o seu jarro, já prestes a ser descartada pelo destino de todos. E em nós, em cada um de nós, a sensação que também estamos dentro de um jarro sobre uma mesa. E o tempo apenas passando.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com