A BORBOLETA

A BORBOLETA

*Rangel Alves da Costa

Borboletas, borboletas, borboletas. Suas presenças parecem tornar a vida mais alegre, mais ajardinada, mais primaveril. Mas suas presenças também inquietantes sinais, misteriosos, indagadores. Leves, belas, coloridas, mas também provocando muitas e múltiplas indagações. Estar na presença de uma borboleta não é apenas estar na presença de uma borboleta. Nunca.

Acordo e logo corro para abrir a janela. Sei que ela vem. E ela chega. Todos os dias faz assim, cumprindo um mesmo ritual de magia e de cor. Não sei o que pretende fazendo assim, pois no meu quarto não há nenhuma flor, nenhuma planta, nenhuma fonte de água, nenhuma compota de doces. Mas ela chega todas as manhãs, parecendo mesmo que dorme ao umbral da janela esperando somente que eu a abra.

Um mistério que me comove e encanta. Não há qualquer explicação para que uma borboleta, e sempre a mesma borboleta, entre pela janela do meu quarto ao alvorecer. Vem, pousa no umbral, em seguida levanta voo e começa a planar por cima da cama, pelas paredes, pelos cantos, por cima da escrivaninha. Já pensei em espantá-la, em colocar tela protetora na janela, mas depois fui aceitando alegremente aquela inesperada visita.

Levanto a mão, passe rente, mas sempre prefere um pouso ligeiro no meu ombro. Talvez não encontre no meu corpo nenhum perfume que lhe agrade. Nunca fica em mim mais que poucos segundos, pois sempre levanta voo em outras direções. Quanto mais a manhã é ensolarada mais ela parece mais bela e fascinante em seus tons amarelados, de um dourado parecendo pintado à mão.

O fato mais estranho, contudo, é que ela sempre prefere ficar em cima do meu livro de cabeceira: Cem Anos de Solidão. E ali como quisesse folhear o livro, entrar no livro, viver o livro. Certamente não sabe, contudo, que ali está Macondo e seu mundo mágico, fantástico, povoado dos Buendía, de espantos e estranhezas. Gerações e mais gerações de personagens que nos ensinam que o incompreendido é a realidade maior e mais convincente.

E um fato surpreendente depois revelado nas minhas indagações. Dentro daquelas páginas existem borboletas e mais borboletas, muitas borboletas, entrando no quarto de Meme, a Renata Remedios do livro, enquanto o cigano Maurício Babilonia está ao seu redor em amoroso cortejamento. Aliás, borboletas amarelas que sempre acompanham o rapaz e que parecem estar por todos os lugares de Macondo, pois ler o livro de Garcia Márquez é como ouvir o ruflar de asas de borboleta a todo instante.

Cem Anos de Solidão é um mundo povoado de borboletas amarelas. Garcia Márquez colocou um jardim entre loucos, insanos e sonhadores, e ao invés de flores povoou de borboletas amarelas. Então, será que aquela borboleta não seria uma das tantas existentes em Macondo e querendo às páginas de Garcia Márquez retornar? Mas não a aprisionarei dentro daquelas páginas. Apenas deixo o livro aberto, esvoaçando ao vento, para que a borboleta voeje ao redor do seu mundo.

Em Cem Anos de Solidão, dezenas, centenas, milhares de borboletas amarelas, povoam o quarto de Renata Remedios quando Maurício Babilonia chega para visitá-la. As borboletas sempre acompanham Babilonia a cada passo que dá, sendo todas amarelas, leves, suaves, como surgidas de encantamento, ou mesmo como que afloradas das raízes ciganas do rapaz. Mas também borboletas que povoam os sonhos da bel Remedios e sobre o seu corpo em virgem flor passeiam apaixonadas.

"As borboletas amarelas invadiam a casa desde o entardecer. Todas as noites ao sair do banheiro, Meme encontrava Fernanda desesperada, matando borboletas com a bomba de inseticida. "Isto é uma desgraça", dizia. "Toda a vida me disseram que as borboletas noturnas chamam o azar." Certa noite quando Meme estava no banheiro, Fernando estrou no seu quarto por acaso e havia tantas borboletas que mal podia respirar. Apanhou um pano qualquer para espantá-las." Diz uma passagem do romance.

Eu não tenho nada a ver com Maurício Babilonia nem com Meme, com a bela Remedios ou qualquer dos Buendía, em quaisquer de suas gerações, mas uma coisa tenho certeza que me aproxima daquela história de solidão e borboletas: minha solidão de janela aberta e minha estranha visitante de todo dia. A borboleta povoando meus cem anos de solidão.

Escritor

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