A FELICIDADE DE CADA UM
A FELICIDADE DE CADA UM
*Rangel Alves da Costa
Dagomélia enlouqueceu depois que com eu melancia e tomou um copo de leite morno. Ao menos assim é que dizem. Depois disso passou a dizer coisa com coisa, a assuntar coisas inexistentes, numa insanidade que causa entristecimento. Quando não está variando, como costumam dizer, gosta de ficar nua debaixo da cama. E quando é encontrada assim sempre está sorrindo, com ares da maior felicidade do mundo.
Torquato não dá um bom dia nem boa tarde a ninguém. Caminha pela rua mais parecendo um inimigo do povo, sempre de cabeça baixa, fugindo de encontrar quem lhe enderece qualquer palavra. Faz suas obrigações e retorna como chegou, sem dar um pé de proseado com ninguém. Mas diferente, muito diferente é o homem quando está no seu terreno, perto de seu curral, de seu pasto de pouca vegetação e de seu rebanho miúdo. Os olhos parecem brilhando, chegando a conversar com as pedras e bichos, parecendo que vai cantar a qualquer instante. E canta mesmo. E sempre uma cantiga antiga de felicidade.
Florismundo era mais conhecido como o poeta choroso. E assim porque seus versos pareciam lacrimejar de tanto amor sofrido derramado e tanto desvão soluçante. Ele mesmo parecia um desvalido da sorte, do amor, das belezas da vida. Sempre de roupa escura com flor na lapela, lançava seu olhar lânguido e choroso aos jardins, janelas de moças bonitas e rabos de saia. Sempre rejeitado, acabou se dizendo amante das palavras poéticas, dos versos, das rimas e estrofes. Distante dos braços de uma bela morena, então deitava aos beijos e abraços com a última poesia escrita. E cheio de amor, de felicidade e contentamento.
Depois que enviuvou, Sinhá Pureza resolveu se vestir somente de luto fechado. E luto dos pés à cabeça, com meiões negros e véu de negrume retinto. Aonde fosse, e lá ia Sinhá Pureza com sua melancolia na face, seu luto por todo lugar e, ainda por cima, com um retrato do falecido sempre à mão. Assim saía pela porta da frente e para todo lugar aonde fosse. Contudo, segundo dizem, a que saía pela porta dos fundos, sempre às escondidas, era uma viúva completamente diferente. Toda pintada, de roupa florida, perfumada de corpo inteiro e numa sibiteza de espantar. Não perdia um forró. Mas sempre levava um véu florido para não ser descoberta. E assim, na duplicidade da vida, de um lado a fingimento da dor, e do outro a felicidade, vivia a viúva alegre.
Pelouquinho, o menino ainda sem nome escolhido, não dá trela pra brinquedo nem para acarinhamento exagerado. Também não gosta de dengo nem de beicinho para que se sinta feliz e alegra. Contudo, de vez em quando se dana a sorrir, a querer pular de contentamento, perante aquilo que somente ele vê, sente e entende. É uma felicidade infantil difícil de explicar, mas que ele a encontra perante o seu mundo e os seus inexplicáveis encontros.
Já eu, eu tenho o meio jeito próprio de contentamento e de felicidade. Não sorrio com piadas nem me alegro perante as alegrias vãs. Procuro sempre a felicidade interior, aquela que conforta e satisfaz sem precisar ser exposta. Não adianta o sorriso forçado ou o fingimento da alegria, se por dentro a tristeza possui moradia. Mas fico feliz com a felicidade do próximo, fico feliz quando encontro sorrisos e ares de contentamento. Não sei se são verdadeiros, mas sei que merecem estar onde estão. E assim vou comedindo meus prazeres, minhas esperanças e meus anseios, em busca de instantes bons e dias melhores. E ser feliz do meu jeito mesmo.
Diferente era a felicidade de Capim santo, um pé de balcão e tomador de cachaça. Seu contentamento era o copo cheio e sua felicidade era a chegada de quem lhe pagasse outro copo cheio. Mas depois se danava a chorar, aflitivo e apaixonado. Quando perguntado por que chorava, sempre respondia: “De felicidade. Depois que Mariazinha me deixou, então eu posso beber sem ninguém reclamar!”.
Escritor
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