UMA VERDADE VERDADEIRA
UMA VERDADE VERDADEIRA
*Rangel Alves da Costa
Uma verdade verdadeira, com se dizia por lá e que agora vou contar, pois assim a voz irretocada da história:
O home tá o restim, só o cangaço. Tomem, pela vida que leva. Coroné pensa que ele é bicho pra sustentar no lombo, pru riba das costas e pru todo lugar, a sina da dor, do sofrimento, do fardo pesado. Mai num é não. O home inté se ajoeia pru causa do peso mai adespois se alevanta.
Tem home covarde, que se ajoeia mermo e se deixa rolar no chute das bota. Mai outo não. Ninguém nasceu fio de uma égua pra ser ispizinhado, martratado, ferido naquilo que é. Argum dia vem o troco e quano o troco é bem dado entonce começa a guerra.
Só seno mermo fi da cegueira mai cega pra pensar que a pessoa, só pruque é pobe, tem de viver debaixo da sola, com as costa esperano chibata, teno que fazer as orde e as desorde mandada pelo outo. E num só isso não. A pobeza num pode ter nada pru mode o poderoso mandar acabar com tudo. Só o rico pode ter tudo, mai a pobeza nada.
Veja que desaforo da gota serena. Pru causo de intriga de terra, se achano no direito de poderoso, entonce vai e manda sangrar uma rês, duas, três, um rebanho intero. E achano que o mai fraco tem que suportar tudo isso calado. Quer tomar na força o terreninho do outo, achano que o mai fraco, o da pobeza, tem de ficar calado.
Mai existe tudo isso mermo entre pobe. Tem gente que é mai ruim que o diacho raivoso. O que dói é quano o pobe se ajunta com o poderoso pra ferrar com a vida daquele que nem tem onde cair morto. Ou quano muito tem uma casinha de barro, um pedacim de chão e duas ou três vaquinha. E uma fiarada que só.
Vida da gota é essa. Vida frebenta da gota serena é essa, seu moço. Quem vai aceitar que uma fia sua, menina nova e aina cheirano a mijo, seja deflorada por quarque um? Mai o poderoso se acha no direito de martratar a bichinha. O pior que achano que tudo vai ficar assim mermo. Fica não, seu moço. Não com pai de famia honrado e valente, que dá a vida mai num aceita uma desfeita dessa.
Num é fáci viver num mundo assim não. O pobe sempre tratado cuma escravo. No mundo sertanejo é cuma se Deus tivesse criado tudo na divisão. De um lado os que tudo pode e do outo os que nem nada pode nem nada tem. E aina pru riba uma tar de justiça pra abençoar os marfeito de quem tem poder. O pobe mata, vai preso e é esquecido, mai o rico manda matar e é cuma nada tivesse acontecido.
Quantas cova rasa, quanta cruz perdida, quanta ossada esquecida nesse meio de mundo? Tudo da pistola, do mosquetão, do clavinote, da espingarda, da arma sedenta de sangue. Tudo ofício da jagunçada a mando do coroné dono do mundo. E quano as casinha de barro e cipó fica sem dono, entonce chegue logo o dono do mundo.
Assim esse mundo. E muito mais pior do que se possa dizer. Entonce pregunto: inté quano isso vai acontecer até que o troco seja dado? E assim pruque tem veiz que o bicho sai de debaixo da sola da bota e sobe botina a riba. E vai subino mais inté chegar no ôio do poderoso e preguntar o pruquê de tanto martrato e tanta preseguição.
Entonce, quano o ôio da honra e da valentia confronta o ôio medroso do poderoso, tudo começa a desandar praquele que se achava arriba de tudo. Agora sabe que já num pode fazer tudo cuma quer sem que a valentia venha cobrar explicação. Entonce a canga é tirada das costa e aqueles tratado como bicho vai ser respeitado.
Entonce é assim que aparece um Antonho Sirvino e um Lampião. É assim que tomem aparece um Corisco, um Labareda, um Vorta Seca, um Canário, um Azulão, um Zabelê, um Sabonete, um Luís Pedro, um Cajazeira, um Balão, um Zé Sereno. Mai tomem muié valente da gota cuma Dadá, Adília, Maria Bonita, Enedina e tantas outa.
Quano a canga foi tirado do lombo, quano o home acordou sua valentia, entonce tudo mudou. O cangaço já num era feito de home tendo de suportar o peso do poder, da injustiça e do mando nas costa, mai ele mermo fazeno valer sua razão de home. E cobrando aina o preço de tanta dor sofrida no passado.
E num venha dizer que cangacero era tudo gente ruim, tudo bandido, tudo matador. Num me venha dizer que entraro na caatinga e arribaro no mundo só pra fazer mardade. Dizer assim é num conhecer a razão de tudo assim acontecer. E pior ainda: é num conhecer o outo lado. Esse sim, matador, carrasco, bandido, com o punhal do poder na mão pra sangrar toda a vida sertaneja. Quem feiz mais mardade no sertão, foi o cangacero ou o poderoso?
Conveusar é fáci demai, saber é que é difíci, seu moço. Só viu a terra tremer quem estava desprotegido. Só viu o sangue jorrar quem num tinha cuma fugir. Só ouviu o grito de dor quem tava do lado do sofrimento. Ninguém se alembra disso. Mai é preciso sempre se alembrar. E pra num tá falano bestera.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com