Mulata

São Gabriel da Cachoeira sempre será um perfeito cenário para lindas histórias! Fica em plena floresta Amazônica, abrigando o ponto mais alto do território brasileiro, o Pico da Neblina. Banhada pelo Rio Negro, sua extensão territorial é maior do que a de vários estados brasileiros como a do estado de Alagoas, a do Espírito Santo, a da Paraíba, a de Pernambuco, a do Rio de Janeiro, a do Rio Grande do Norte, a de Santa Catarina, a de Sergipe. A oficial Língua Portuguesa é acompanhada por mais três co-oficiais: Nheengatu, Tukano e Baniwa que são as línguas tradicionais faladas pela maioria dos habitantes, dos quais 85% são indígenas. Belas serras adornam a cidade como a da “Bela Adormecida”. As montanhas desenham o perfil da bela do conto de fadas com seus seios fartos e cabelos escorridos, que adormece a 30 km do centro da cidade, esperando o beijo do príncipe. É bonito apreciá-la do Forte. Quem tem esse diário privilégio é o batalhão do Exército, que toda manhã, bate continência pra selva, quando é treinado para proteger a fronteira brasileira com a Colômbia e a Venezuela.

Os jesuítas iniciaram a evangelização no local e, após a sua expulsão, foram seguidos pelos salesianos que levaram para esta linda cidade o carisma de Dom Bosco e a proteção de Nossa Senhora Auxiliadora. Da capela, que leva o seu nome, no alto do Morro da Boa Esperança, olha com misericórdia para esta boa gente.

As Irmãs Salesianas se dedicam à Pastoral da saúde e promoção social e as freiras franciscanas trabalham na catequese e formação de futuras irmãs.

O casal, Nazaré e Aguilair, ao nascer a primeira filhinha, batizou-a e consagrou-a à Virgem, confiante na sua proteção. E como toda pessoa ganha um segundo nome, aquela pequena índia foi, carinhosamente, chamada de Mulata, apelido que carregou com muito orgulho. Naquele lar, outros filhos vieram, mas todos meninos: o Joaquim, o Manuel e, finalmente, o Domingos Sávio.

A pequena Auxiliadora, a Mulata, sempre esmerou-se em cuidar dos irmãozinhos e o Domingos mais lhe parecia um filhinho. Passava os dias zelando dele, cuidando de seu banho, dando-lhe a alimentação, embalando-o na rede, quando era a hora de dormir.

A Irmã Rosa sempre que aparecia em sua casa, para dar orientação, ficava admirada com tanto zelo maternal que a menina cuidava do pequeno.

Um dia, a malvada da morte visitou aquela casa, levando a pessoa mais querida e o pai, sem ter como cuidar dos pequenos, não pensou duas vezes. Reuniu a meninada e foi bater à porta das Irmãs que acolheram as quatro crianças e, com carinho, tentaram substituir a grande mãe Nazaré.

Mulata, mais que nunca, com seus oito aninhos, não desgrudava do irmãozinho menor. Ela era agora a sua mãezinha. Colocou-o para dormir no cantinho de sua cama.

Certa ocasião, passou, por aquela cidade, um médico da Cruz Vermelha e levou o pequenino Domingos, com a desculpa de passar o Natal em sua casa. Numa sacolinha, levou somente uma muda de roupa. Para nunca mais voltar, seguiu o menino o seu destino. Numa distante cidade, uma outra família o esperava . A adoção foi logo sacramentada. E a pequena Mulata muito chorou, perdendo, por completo, o contato com seu irmãozinho predileto.

Muitos anos se passaram e Auxiliadora se transformou numa mocinha. Ela acompanhou a bondosa Irmã Rosa para Belo Horizonte, onde recebeu uma esmerada educação.

Em sua vida surgiu um excelente rapaz com quem se casou. Messias e Mulata tiveram três filhos fortes e saudáveis: a Carolina, o Rafael e o Thales.

Só uma nuvem escura teimava em obscurecer aquela felicidade de Auxiliadora. Era não ter notícias do irmãozinho que sumira de sua vida. Ela sempre sonhava com ele chamando-a de mãezinha.

O irmão Joaquim também tentou encontrar o paradeiro de Domingos. Com a ajuda da Polícia Federal, um belo dia, chega-lhe a notícia de que ele estava trabalhando no Porto de Vitória, no Espírito Santo. Tamanha foi a emoção que Joaquim não se conteve. Ligou para a irmã e, com o coração pulsando forte, falou-lhe de Domingos e deu-lhe o número do telefone. No mesmo instante, o telefone tocou, em vão, na casa de Domingos. Ele estava de plantão no Porto e nem imaginava a surpresa que o aguardava.

À noite, novamente, toca o telefone. A faxineira atende, julgando meio mirabolante aquela conversa:

- Eu me chamo Auxiliadora e sou irmã de Domingos. Ele está?

- Irmã de Domingos? Aguarde um pouco, por favor.

- Senhor Domingos, está ao telefone uma mulher que diz ser sua irmã.

Domingos, muito desconfiado, não quis atender ao telefone. Diante da insistência de Auxiliadora, pensa um pouco e volta ao passado, onde as lembranças, de uma criança de dois anos, são muito poucas e vagas. A vontade e a esperança de rever sua "irmãmãe" era latente em seu coração! Como num raio, chega-lhe um detalhe importante, uma verdadeira luz na cabeça daquele moço. Ele diz para a sua ajudante:

- Pergunta para esta senhora se ela tem um apelido.

E logo veio a resposta:

- Mulata!

Num ímpeto, Domingos pega o telefone, mas nenhum dos dois consegue falar. Foi aquele choro convulsivo que tomou o lugar das palavras. Precisou de um bom tempo para que os dois irmãos conseguissem se acalmar e trocar palavras cheias de carinho e saudade.

O emocionante encontro presencial veio, depois de poucas semanas, no Aeroporto Internacional de Confins.

Hoje, Auxiliadora vive feliz, ao lado do marido e dos filhos, sempre mantendo contato com seus dois irmãos em São Gabriel da Cachoeira e com Domingos Sávio, o irmão preferido, em Vitória do Espírito Santo.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 05/10/2007
Reeditado em 11/11/2007
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