Eu não sei Talyta, só sei que foi assim
Há mais de três semanas habemus, habemus Pimentão! Ele nasceu ali, no canteiro, por força de vontade própria, bastou apenas que fossem jogadas as sementes que sobraram depois de uma salada. Salad days.
Naquela manhã, um pouco antes do meio dia, passei por ele, meu verde, cumprido e belo Pimentão. Eu estava banhado, amolçado e vestido, um Cd do Doors em mãos, L.A Woman, pronto para partir de carro com a Thais e a Carol, irmã e cunhada, rumo a Guararema.
Passeio planejado de última hora, escolhemos Guararema, ao invés de Itu, que era uma outra opção. Logico, depois me culparam por essa escolha. “eu não te falei que Itu era melhor...”. Como se tamanho fosse sinônimo de qualidade! Como diria o poeta, “a vida é uma sequência de escolhas, na grande maioria das vezes, erradas, mas que podem, nunca se sabe, darem certo de alguma maneira. Se até Deus, onipresente e onisciente, escreve por linhas tortas, sabe-se lá Deus por qual motivo, porque não nós, os pobres mortais?”.
E falando em caminhos tortos... Não sei se foi ela, a sua empolgação para passeios e viagens, ou o remédio, mas aconteceu que, depois de um bom tempo, eu me senti animado para sair. O que eu quero dizer, e que não tenho certeza se é essa uma capsula diária 75 Mg de Serotonina e Noradrenalina que estou tomando, ou se é realmente ela, a minha nova amiga, a Talyta, a responsável por eu ter levantando o rabo da cadeira, saído da frente desse Notebook e dos livros, e ido salga-lo na praia!
Conheci a Talyta em um aplicativo de relacionamento a pouco tempo, mas acho que estamos nos dando bem. Nós temos essa coisa em comum, de não suportar rotinas, ao menos as rotinas que são impostas as pessoas que trabalham em empregos formais, como quando ela trabalhava no Shopping e eu na fábrica de baterias de carro. Ela e os pais são comerciantes, parece que sempre foram. Anos atrás a Talyta teve um Lan House. Mas atualmente eles ganham a vida no ramo da confeitaria, assim como também possuem uma pequena sorveteria, ali mesmo, na casa onde moram. Além da mania de passar álcool em Gel na mão, não gostar de pegar na maçaneta da porta do banheiro na saída, dormi mais rápido do que uma lâmpada sendo apagada no interruptor e de viajar sempre que possível – inclusive nós combinamos de ir para a Time Square um dia – a Talyta divide seus dias entre a confecção das guloseimas junto com seu pai – bolos, pirulitos, Cones Trufados – as entregas dessas encomendas; um ou outro compromisso, como por exemplo, uma consulta no médico, a terapia, algo para resolver na prefeitura, buscar a tia na rodoviária, jantar na casa da irmã... e por último, mas não menos importante – o sofá. “Talyta, o que você está fazendo no momento?”, e ela responde, “estou sofaziando, Tiago. To morta de cansaço hoje”.
Na noite anterior, antes da escapada para Guararema que acabou dando em Bertioga, eu havia lido o signo de Tigre para ela, retirado de um guia prático de astrologia chinesa, livro que tenho cá comigo. Ela estava com cólica, “sofaziando” para variar, e acho que isso a ajudou a esquecer um pouco a dor que sentia naquele momento:
“o tigre é considerado em todo Oriente como o rei dos animais. Símbolo das virtudes reais – lealdade, generosidade e coragem –, é venerado e temido por todos.”
Bem, quando eu estava lendo todas aquelas coisas para a Talyta, não lembrava que o Tigre também era o meu próprio signo no horóscopo chinês. Não li com a atenção de quem está lendo algo que lhe diz respeito, por tanto, nada parecia se referir a minha pessoa. Curiosamente, quando descobri, ou melhor, redescobri que aquele também era o meu signo, muitas coisas começaram a bater com a minha própria personalidade, o que me fez ficar com a pulga atrás da orelha. Porém, essa pulga só me ocorreu muito tempo depois, na tarde do dia seguinte, quando já estava na estrada, vento de encontro a cara, momento perfeito para ter reflexões refrescantes como essa.
Foi assim. Na manhã seguinte, eu acordei com a minha irmã me fazendo esse convite de passeio e claro, tratei logo de perguntar para Talyta o que ela achava de Guararema, menina viajada que eu sei que ela é, já esteve até na terra dos franceses, "aqueles fedidos".
“Guararema é bem legal Thi thi, acho que você vai gostar. Depois você me conta o que achou”.
Pois bem. Partimos naquela manhã, um pouco depois dessa conversa com a Talyta.
Tanque cheio, abastecido no posto com gasolina mais em conta. Tupperware com Mandioca comprada e cozida pela mãe na noite passada. Garrafas enchidas com água cara fornecida pelo SAAE, e pé na estrada!
The Doors realmente foi a trilha sonora na maior parte da viagem, mas também ouvimos Gonzaguinha, Eagle Eye Cherry...
A música L.A Woman me fez lembrar de uma daquelas noitadas lá na Avenida Augusta, quando trombamos três amigos Grunges, dois moleques e uma menina, um deles ameaçando cortar os pulsos com um caco de vidro, o outro me dizendo que gostaria de descer de bicicleta naquela avenida que aparece no clipe da L.A Woman, e a mocinha me paquerando. Todo mundo bêbado.... Como o tempo passa rápido. Pena que idiotas como eu, só dão o real valor desses momentos, depois que eles passam. E é por essas e outras, que eu havia resolvido viver aquele momento em Guararema e o que mais viesse pela frente.
Guararema, não sei se vocês sabem, é uma cidade bonitinha, aconchegante e acreditem ou não: limpa também. E para quem mora no Jardins como eu – “Jardins Fortaleza”, melhor dizendo, bairro periférico de Guarulhos –, se deparar com tal asseio urbano, foi um grande choque de cultura. Como assim, nada de lixo nas ruas, nas calçadas, nos terrenos baldios?
Entretanto, apesar de todo aconchego e beleza, não há muito o que se fazer por ali depois que se visita tudo aquilo que sugerem os roteiros turísticos, (Ou será que nós apenas não conseguimos pegar o espírito do passeio, de tudo aquilo que o lugar ainda tinha para nos oferecer?).
Vá lá. Talvez tenha sido realmente a falta de um espírito poético para enxergar a coisa toda com outros olhos, porém, na falta dele ou não, decidimos pegar o caminho da praia, Bertioga foi nossa próxima parada.
E falando em poesia... as paisagens repletas de rochas gigantes na beira das estradas são as minhas preferidas. Aliás, que me perdoem, mas eu não troco um desces pedregulhos parados nos picos dos morros, por uma única estatuas daquelas de Bandeirantes assassinos de índio e padrecos jesuítas vexadores, também de indígenas, as quais vi por lá em Guararema, e depois no Forte de Bertioga. Na hora lembrei do dia em que a professora Madalena nos levou para uma visita de campo no centro de São Paulo. Em certa altura do roteiro, estávamos no Museu Anchieta, no Pateo do Collegio, já nos despedindo para irmos embora, quando a distinta professora começou a dar dicas, agora gastronômicas, dos locais onde poderíamos fazer uma boquinha. “tem um restaurante logo ali bem baratinho, eu sempre como lá com meu marido”, nos indicava a nobre teacher. E eu pensava comigo, “bom, não sei vocês pessoal, mas eu particularmente tenho dinheiro sobrando para no máximo uma bolacha recheada e um suco”.
É intrigante a falta de noção da realidade de algumas pessoas. Espero do fundo do meu coração, que a bolha onde vivi a minha caríssima professora, nunca estoure.
Mas enfim, como eu dizia, descemos para Bertioga. Chegamos tarde na praia, a noite já vinha caindo. Banho de mar mesmo, só no dia seguinte. O jeito foi procurar lugar para pernoitar, outro para comer, e depois, curtir o que a cidade tinha a oferecer naquela noite.
A pousada se chamava, Pousada Canto do Forte, referência ao Forte de São João da Bertioga. Cassia, esse era o nome da filha da dona que nos atendeu. Foi engraçado quando do nada apareceu uma barata saindo sorrateiramente do nosso recente quarto alugado. A Cassia não soube onde enfiar a cara, de tão constrangida que ficou, isso após ter esmagado o inseto com uma pisada de pé descalço. Dali em diante, para disfarçar o inconveniente, ela começou a contar algumas histórias sobre sua vida pessoal.
Grávida de seis meses, devido, segundo ela, a um furo feito na camisinha pelo pai da criança, Cassia resumia sua vida naqueles últimos meses, entre os cigarros que fumava escondido das pessoas em geral, e toda a comida que andava comendo compulsivamente durante a gestação até ali. Pegava mal fumar grávida em pública, dizia-nos ela.
Depois da cena com a barata na pousada, saímos para noite. Os restaurantes na redondeza do Forte estavam todos animados. Lotados de gente. Com música ao vivo e tudo mais. Havia uma feirinha de artesanatos numa grande Tenda na beira da praia, onde logo mais aconteceria um show, uma espécie de previa natalina. Enfeites de natal sendo postos em arvores por alguns operários, por tudo quando era lado, principalmente nas arvores no cerco onde ficava propriamente o Forte. Porém, como fomos procurar um lugar para comer, quando finalmente achamos, demorou tanto para sermos servidos, que acabamos perdendo o show.
E assim, após termos caminhado mais um pouco pela região, retornamos para pousada para dormir. O domingão prometia.
O dia amanheceu. O tempo não estava nem quente, nem frio, o que fez com que subestimássemos o poder do Deus sol, com seus raios solares abrasantes. Ninguém se preocupou em passar protetor solar, é o que quero dizer. O máximo que alguém fez, no caso a Thais, foi comprar um chapéu de palha surf. Chapéu que eu usei o tempo todo, até que a inteligentíssima irmã o deixasse voar pela janela do carro quando estávamos subindo a serra na volta para casa. Mas pelo menos ele me foi útil enquanto durou, livrou meu rosto das queimaduras! Não que eu estivesse usando ele com essa intenção, pois eu também fui um dos que subestimou o sol naquele domingo, como geralmente costuma fazer a minha amiga Talyta, em seus passeios turísticos. “Toda ação, gera uma reação”, já dizia Newton, não é mesmo mocinha?
Foi um dia tranquilo na praia. Tomamos banho de mar, andamos de Escuna (eu vomitei por conta do balanço do mar), comemos porções sentados em cadeiras de plástico debaixo de um guarda-sol observando toda a paisagem em volta, o mar, o céu, parapentes, pássaros, nuvens, as pipas, o horizonte infinito; as pessoas passando a pé ou de bicicleta , os vendedores ambulantes que a todo momento apareciam para nos oferecer algum de seus produtos: castanhas, amendoins, espetinhos de camarão, ou, quando não, alguém nos pedindo a latina de cerveja vazia na mesa, trazidas pelas mãos do “Família.”
Apelidamos o cara que nos serviu a porção e os outros pedidos que fizemos de “O Família”, que foi como ele me chamou desde o primeiro momento que cheguei na praia.
“E aí Família, tudo bem com você. Se quiser uma mesa, ou for precisar de alguma coisa, fica à vontade”.
Como se sabe, a mesa é de graça, não precisa pagar para nada, nadinha, “desde que você compre uma porçãozinha de no mínimo 120 contos”. Sabe como são as coisas, pode pega mal, né.
E assim foram se passando as horas, até que escurecesse e eu visse uma estrela cadente cruzando o céu quando andávamos pela a areia, próximo ao mar, catando conchas na areia.
As andorinhas entrando de volta no buraco da parede, após longo dia de sobrevoos na caça de insetos, marcam o fim da tarde e o início da noite. Chegamos finalmente em casa naquele mesmo domingo, após a longa viagem de retorno e nos deparamos com esse espetáculo. “como vai caro Pimentão, tudo sussa por ai?”.