“CANGAÇO É FOGO QUE NÃO SE APAGA, HISTÓRIA QUE SE ALARGA, ESPINHO QUE AINDA RASGA...”
“CANGAÇO É FOGO QUE NÃO SE APAGA, HISTÓRIA QUE SE ALARGA, ESPINHO QUE AINDA RASGA...”
*Rangel Alves da Costa
Quem diria meu irmão, que um acontecido no sertão, de passado já distante e já enterrado no chão, a todo o momento renasça dizendo “num morri não!”.
Coisa de não acreditar, mas assim acontecido, por mais que enterrem o cangaço mas ele se faz de enxerido, atiçando todo mundo e dizendo “tô bem vivo e bem vivido!”.
Assim acontece com o cangaço que acabou sem se acabar, que insiste em continuar tão vivo e instigante que chega a apaixonar. Quem odeia reconhece que ama até o odiar.
Não adianta mentir e querer condenar Lampião, se a história cangaceira provoca mais que paixão e o rei maior da labuta, nas plagas desse sertão, provoca até comoção.
É como cola no peito colada, como uma história pregada na vida de qualquer um. Basta falar em cangaço e coloca começa o zunzunzum, no peito um baticum, na palavra um braguidum.
Gente inventando história, já outro buscando em memória, o tempo difícil sem glória. Na defesa que é feita ou no ataque por desfeita, a verdade é que a treita vai ganhando vida própria até no que não aproveita.
Um diz ser parente de cangaceiro, outro diz que tem sangue bandoleiro, já outro quer ser o primeiro da parentagem surgida. E uma família é formada de tanta cangaceirada que mais parece uma nação de gente da pá virada.
Mas tem gente que renega tudo que seja cangaço, desatando todo laço que dê nó em algum traço. E fala na covardia, no tempo de brutal agonia, tudo pela mão do cangaço que nada fez de cortesia.
Já vi briga de faca peixeira em pleno meio da feira. Um falava do cangaço, o outro dizia que era besteira. Um rebatia com asneira o que o outro dizia ser história verdadeira. Até que um lançou mão de faca no cinturão, enquanto o outro dizia “não venha que sou Lampião”.
Zé Sertanejo dizia que nunca viu na história trovejamento se tornar glória como o cangaço tornou. Tá no pensamento e memória como derrota e vitória, coisa de gente valente e escória.
Tareco, poeta de cordel e cordame, dizia que o cangaço é fogo que não se apaga, história que se alarga, espinho que ainda rasga. Continua como saga, como fantasma que vaga querendo ser entendido, e que mesmo escondido logo é reconhecido.
Seja herói ou bandido, odiado ou querido, a verdade é que Lampião ainda se mostra atrevido. Está por todo lugar, na veneração do povo e até no altar, como se santo se tornasse num sertão atormentado.
Em meio à corrupção, aos desmandos da nação, outro nome não é lembrado senão o do Capitão. Lampião pra presidente, pra governador do sertão, um salvador da pátria matuto combatente a degeneração.
Por essas e outras que se diz que o cangaço fez matriz, de onde vingou a valentia sem empinar o nariz, mas lutando contra o mal que assolava o país. O sertanejo em opressão, na canga e no ferrão, um povo pisado e ferido pelo coronel e patrão.
Tá no livro e vai ficar, na memória pra se guardar, a história de um povo que pelos sertões foi lutar, vencendo chuva e sol, em meio a tiro a açoitar, combatendo o inimigo pra honra não se findar, em nome do sertanejo e pro seu nome resguardar.
Tá na feira e no cordel, no cantar do menestrel, tá na veia em queimor de gosto pior que fel, mas também tá na ilusão que Lampião foi pro céu. E que vai voltar qualquer dia e do povo ser seu guia, para todo o mal combater pela sua valentia.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com