Poesia e Ousadia
"Estou cansado de apenas ler sobre os feitos de homens melhores.” (George R. R. Martin, in Crônicas de Fogo e Gelo)
Próximo que estou do lançamento de meu primeiro livro autoral RAÍZES DE PÁSSARO que acontecerá em 30 de setembro (em meio à ansiedade que o evento está me provocando, a psoríase à mil dado à carga de stress dos preparativos, quase me deixando sem pele nas articulações dos cotovelos), mais do que nunca tenho me questionado: porque escrever? Tenho milhares de respostas a esta pergunta, mas nenhuma delas nunca me satisfez plenamente. E, justamente ontem, duas respostas novas se incorporaram às outras e, são as que melhor esclarecem. Quando postei o convite em grupos do facebook que tratam da história de minha cidade, um amigo de toda a vida, cumprimentou-me pela ousadia; depois, assistindo a um episódio de Game Off Thrones, ouvi a fala do personagem Samwell Tarly, que serve de epígrafe para esta crônica. Daí formulei a melhor resposta até o momento: escrevemos pela ousadia de não querermos apenas ler sobre os feitos de homens melhores, mas estarmos entre eles.
Sempre que me convidam para falar de literatura com alunos, principalmente dos anos iniciais, inicio as palestras sempre com a mesma fala: Quem aqui é poeta, levante a mão, por favor. Raramente alguém, a não ser eu, tem a ousadia de levantar a mão. Em seguida falo: Há alguém aqui que seja ou já tenho sido criança? E, quando todos se identificam como tal, digo-lhes que toda criança é poeta, pois é imaginativa, cria histórias e gosta de fazer jogos de rimas e, portanto, somos todos poetas ou já fomos um dia. Alguns têm a ousadia de continuar depois de jovens e adultos ou, o mais provável, não deixaram de ser crianças, ainda que apenas interiormente. Ser poeta é muito mais do que apor palavras em versos e rimá-las, de construir estrofes. Ser poeta é cultuar a beleza e o bem, é manter-se inocente apesar das maldades do mundo, é o exercício diário de manter a alma infantil. Sinto uma satisfação enorme em falar para estas crianças, pois uma das coisas que mais “mata” bons poetas é o viver longe de sua espécie. Lembro-me de quando era criança e já desenvolvia o gosto pela escrita, mas pensava que poetas eram seres de outra galáxia, daqueles que só tínhamos notícias. Para mim Drummond, Ferreira Gular, Adélia Prado eram deuses e portanto eu não teria acesso ao olimpo de onde eles provinham. É fundamental que a criança e o jovem que tenha inclinação para a escrita saiba que o moço da cara fechada que trabalha na escola em que eles estudam, que o morador da casa amarela com aquele monte de árvores na frente, que o sujeito que está na sua frente na fila do caixa ou bebendo no botequim perto da ponte é poeta. E um poeta razoável, com livro editado e tudo. Se não fizermos isto, vão pensar como eu pensava, que poetas são apenas os grandes e clássicos escritores de seus livros didáticos ou das bibliotecas da escola. Poetas somos todos nós, ou já fomos um dia. A alguns o que falta é ousadia em continuar a sê-lo.
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